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Última década não foi má para os franceses

Estes últimos dez anos de cinema francês traduziram, não apenas o restabelecimento de seu prestígio mundial, como também, e especialmente na segunda fase, serviram para projetá-lo no cenário atual como o centro de produção artísticamente mais fecundo. No decênio, boa parte dos filmes mais importantes – revelação, poder de choque, ímpeto catártico e, sobretudo, invenção – saíram dos estúdios franceses ou, então, fruto da concepção de alguns de seus diretores: Hiroshima Mon Amour (Hiroshima Meu Amor), A Bout de Souffle (Acossado), Lola Montés, Les Vacances de M. Hulot (As Férias de M. Hulot), Mon Oncle (Meu Tio), Les Grands Manoeuvres (As Grande Manobras), Jeux Interdits (Brinquedo Proibido), Les Quatre Cents Coups (Os Incompreendidos), Un Condamné à Mort S’est Echappé (um Condenado à Morte Escapou), Les Amants (Amantes), Saint-On Jamais (Aconteceu em Veneza).


DURANTE E DEPOIS DA GUERRA

Durante a guerra, com o país ocupado, ocorreu um êxodo dos melhores realizadores de então e outros tiveram que submeter-se a um regime de produção que não permitia maiores aventuras ao pensamento. Estagnando-se o processo industrial, surgiu conseqüentemente uma incidência sobre as condições estéticas e, do impasse, luzia apenas um inteligente escapismo.
Após o termino do conflito mundial, a situação tornou a se recompor num critério de desenvolvimento, firmando-se no ápice de sua carreira muitos cineastas cuja evolução se verificou à sombra da ocupação: Becker, Bresson, Clouzot, Clement, etc. Os veteranos mestres (Clair, Renoir, Duvivier) retornaram à Pátria e, lá, com altos e baixos prosseguiram sua obra. Contudo, a decadência manifesta de alguns, aliada a um conformismo acadêmico de muitos, com ligeiros relances de brilho artesanal, já alimentava numa geração mais nova um clima de revolta. Naquela altura, além dos êxitos isolados desse ou daquele diretos, as contribuições mais positivas dentro de uma linguagem especificamente cinematográfica partiram de Jacques Tati, que, mediante a seu extravagante Monsieur Hulot, deu outra vez à comédia na sétima-arte foros eminentemente visuais, uma concepção renovadora do gag, e, sob esse aspecto, veio a sentar-se no trono que pertencia antigamente a Chaplin, e de Max Ophüls. De temperamento e formação vienenses, foi, entretanto, a fase final de sua carreira, desenrolada no cinema francês, a mais significativa. Com o seu processo especial de estruturação rítmica, à base dos longos e renitentes movimentos de câmera, Ophüls criou toda uma autêntica saga do espírito romântico decadente e, em sua última película, Lola Montés, fabuloso canto de cisne, legou uma série de soluções inventivas para a utilização espácio-temporal da tela panorâmica. Foi também uma espécie de canto de cisne para Martine Carol, estrela que, logo no após-guerra, tomou de chofre o bastão da popularidade, mas que, atualmente, entrou em declínio. Seu marido, o diretor Christian Jacque, de certo modo, o grande inspirador de sua carreira, tem uma longa filmografia, onde se encontram realizações de certo interesse, alguma até, justamente, por ter exibido desnudo o instigante corpo da esposa.

O núcleo da revolta com o statuo quo localizava-se na redação da revista especializada Cahiers Du Cinema, onde um grupo esfusiante de jovens críticos resolveu não somente se limitar à reação sobre o produto alheio; passaram à ação, entrincheiraram por detrás das câmeras. Fetichismo, iconoclastia, esoterismo, alegoria, tornavam o seu método de crítica, via de regra, um paraíso do Insólito, em tudo, um oposto à sólida e tradicional idéia do mesmo método que, ali perto, viceja na Sorbonne. Fred Astaire é mais importante que Pudovkin, um plano de Cantando na Chuva vale todo o Ladrões de Bicicletas, via Hitchcock e o seriado, fora com o advogado do Cayatte e com o acadêmico Clair: estas algumas das tiradas ou conclusões propiciadas pelo novo critério. Acertando e errando em cheio, e com bastante espalhafato, no meio de um ecletismo anárquico, de uma certa desorientação ideológica, nasceu a nouvelle vague, já hoje tão famosa e que é, sem dúvida, o maior acontecimento, estético e jornalístico, nestes dez anos de cinema francês.

Os produtores deram logo a mão à palmatória: os filmes eram baratos e obtinham sucesso. Alguns assuntos considerados escabrosos ou motivo de escândalo rendiam bem, não só com a bilheteria, mas, também, artisticamente – encontravam guarida na critica, a partir do próprio Cahiers, onde muitos de seus elementos, realizando ambas as coisas (critica e direção), consumavam uma eficaz “linha de passe”.
A nouvelle vague, hoje em dia, praticamente açambarca em seu rótulo, quase todos os novos cineastas franceses dotados de valor. Boa parte, todavia, não denota o temperamento cahiers em sua formação; a começar pelo mais importante, Alain Resnais, autos do filme-revolução Hiroshima Mon Amour e que antes já possuía em seu acervo uma série de curtas-metragens de excelente nível. De outro lado, por exemplo, temos um Marcel Camus, radicalmente uma antítese dos princípios da nouvelle vague, tanto em Morte n Fraude (O Rio do Arroz Sangrento), mal assimilada salada de Clouzot-Reed-De Sanctis, como em Orfeu Negro, superprodução com todos os preceitos artesanais obedecendo aos padrões de Hollywood no gênero.

O “STAR SYSTEM”

Em paralelo a todo esse movimento, o estrelismo ressurgiu fulgurante, embora, até certo ponto, diferente dos processos do star-system de Hollywood. Em contraposição ao mito m m, colocado em circulação com toda a pujança pelos americanos, os franceses ofereceram o mito b b. E Deus Criou a Mulher foi a fita de eclosão, quando Brigitte Bardot, dirigida pelo seu então marido, Roger Vadim, deixou parente que algo de diferente, em matéria de presença feminina no écran estava a ocorrer. Aliás, não só presença, porém, comportamento. Na era da relatividade, da cibernética, do desbravamento cósmico, à anti-sofisticação dos impulsos, o erotismo brotando diretamente de um estar desembaraçado, sem implicações, sem a metáfora de uma gesticulação. Com a sua sexualidade algo depressiva, depressiva talvez devido ao espírito anárquico que a insufla, pondo em contradição uma pureza quase instintiva com o refinamento da supercivilização, com a melopéia de um despudor em cara de anjo, Brigitte é, por excelência, a antivamp.
Ao mesmo tempo, filtrando a tendência diversa de um realismo mais integrado, a mise-en-situation da desagregação de uma moral burguesa, surgo o vulto de Jeanne Moreau, sintetizando o mito da mulher vivencialmente madura, com um conteúdo em cada gesto, cada expressão sob o signo da experiência. Atração física em moldes simples e direto, contudo um erotismo, ao contrario de b b, que se formula num blackground de efabulação. Por coincidência, foi, mais uma vez, um marido quem se encarregou de plasmar a definitiva notoriedade. Agora, é o caso de Les Amants, um filme sério, a exalar um certo tonus lawrenciano, com Louis Malle, na seqüência mais famosa e condenada pelos especialistas em moral e pecado, tentando sem êxito, superar o que Gustav Machaty fez com Heddy Lamarr (na época, Kiesler) em Êxtase.
Ainda no naipe feminino, apareceram uma série de caras novas, a caminho ou já atingindo a consagração popular: Anette (segunda mulher de Vadim e que estrela o interditado Les Llaisons Dangereuses), Julliette Mayniel (Os Primos), Pascale Petir (Os Trapaceiros), Bernadette Laffont (Nas Garras do Vicio).

DE JOVENS E “ASTROS”

Do lado masculino, enquanto morre Gérard Phillipe no apogeu, já vão-se firmando Jean-Claude Brialy (Nas Garras do Vicio e Os Primos), Gerard Blain (nos mesmos), Alain Delon (na última versão de Liebelei e agora com O Sol Por Testemunha), Jacques Charrier (segundo marido de Brigitte Bardot – Os Trapaceiros e Os Libertinos) e Jean Paul Belmondo, mercê de sua presença no extraordinário Acossado (A Bout de Souffle), com uma atuação renovadora, dentro dos critérios de um intérprete estar diante de uma câmera, não mais como um ser preconceitual, definido de antemão, mas como um comportamento que se dá, que se forma através do filme.

Acossado põe em evidência a personalidade de artista de um dos críticos mais “delirantes” do Cahiers, Jean-Luc Godard, quando reformula estruturalmente diversos elementos da linguagem cinematográfica. É também o mais autêntico herdeiro do espírito Jean Vigo, um dos antigos cineastas mais cultivados no santuário da nouvelle vague e, prematuramente, falecido, sem, por isso, deixar de ter legado, pelo menos em três, de seus quatro filmes, um apelo instigante à posteridade. Enquanto a corrida dos garotos pelas ruas, em Os Incompreendidos, de François Truffaut, traduz uma apreensão exterior do Zero de Conduite, a cena em que, em A Bout de Souffle, Belmondo e Jean Seberg agitam-se embaixo dos lençóis, ao passo que o rádio vibra alto, é todo um ressuscitar daquele tipo de euforia, vigorosa, desafiante, alucinada, soterrada com Vigo. É também uma alegoria a todo o espírito da “nova onda”, vibrátil, contraditório – da alienação à clarividência, porém, fecundo e inobjetavelmente marcante dentro do cinema em nossa época, isto é, o verdadeiro cinema, que agita e estimula a percepção e, não, a anedota literária, o cartão postal do vai tudo em paz ou a biblioscopia

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