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Cárcere sem grades

Dimensão intrínseca – os fatores temáticos colocados em ação adquirem maior ou menor carga denotativa, do pathos, em função da própria estrutura da obra cinematográfica.
Quando esses mesmos fatores pré-equacionam o critério de organização, quando os elementos ou recursos se condicionam em sua utilização a permanecerem adstritos a uma ambiência conteudística também pré-estabelecida, torna-se necessária a existência de uma bem solidificada genealogia de caráter mítico a fim de ampará-los. Isto é, outorgar-lhes validez no sentido de atuar incisivamente na consciência do espectador.
Um coisa é vermos Shakespeare, Tenessee Williams ou Sartre entre quatro paredes (desde, é claro, que a realização se coroe em êxito). Outra é essa auto-imposição de limitações para com o uso dos meios mais saudáveis no trato com a linguagem do cinema; o sacrifício do ritmo, a menor possibilidade de lidar com toda a potência dos efeitos da montagem. Outra mais é a noção de medida de uma obra de arte. De um lado estão Kafka, o caixeiro viajante, Blanche, Macbeth ou Édipo. De outro, surgem às vezes, e no que se refere à atualidade, esses inconseqüentes torneios de apoplexia, de eclosões histéricas, aos quais os cineastas de Hollywood tem se dedicado com tanto afinco. O show de violência que diretores como Dassim, Kazan ou Wise começaram a inserir com maior freqüência em suas películas foi mal assimilado por uma série de autênticos ou pseudo-sucessores. O cinema americano atravessa, na verdade, uma fase de apologia à violência. Física ou psicológica, tal característica não é fruto apenas de uma recorrência a determinados focos temáticos. Se constitui outrossim em produto da própria estrutura econômica e social de um país visivelmente à beira de um impasse dentro de alguns campos ou setores de atividades. Entretanto, tal impasse, a conjuntura do momento, requerem um senso de percepção mínimo para ecoarem como reflexo e ativar os meios de expressão. E o que se tem visto ultimamente são uma quantidade de espetáculos vazados no encadeamento de contínuas explosões neuróticas, estilizadas em caprichados close-ups, apoiando-se em novos intérpretes praticamente treinados para o que denominaríamos de grandes momentos vazios. Isso ocorre quando os elementos focos de tensão não possuem uma fixação válida que lhes seja conferida pela própria contextura da obra, não descerrem um pathos contundente mediante uma perspectiva maior que se abra.
Essa reiterada noção de medida não se baseia entretanto num mero processo mimétrico. Não é uma amplitude temática pré-estabelecia que irá decidir a eficiência do filme. Uma fita não imita idéia escritas – desde que seja uma obra de arte, trata-se de um objeto, vige por si, ocupa um espaço: um espaço virtual. O seu aspecto transcendental passará a apresentar uma intensidade de acordo com a capacidade potencial das formas em jogo. A solução eficaz do problema de estrutura propiciará a almejada amplitude: e não maior ou menor pungência de alguma reivindicação ética concebida a priori. Uma coisa é assistir Bergman conferir dimensão quase inusitada ao episódico drama de “Noites de Circo”; outra é vermos Fred Zinneman se atolar na pequena tragédia doméstica, carregada de interpolações eivadas de reações super-neuróticas de caretas/queixumes super-histéricos e com refluxos hiper/homo/bi/sexuais. Todos nervosos em cena, a criar uma sensação de angústia ôca. Ôca, por não conseguir a fita proporcionar uma função transfiguradora através dos elementos convocados. Todos os grandiosos efeitos estão nitidamente sob o jargão do imediatismo. Não solidificam a imagem. O todo não se concretiza; ao contrário, dilui-se nas redundâncias superficializantes.


Fred Zinneman – não é evidentemente um simples e ingênuo seguidor dos métodos postos em execução por outros cineastas. Também não é o maior culpado para quem não encontra em “A Hatful of Rain” o que era lícito se esperar. O roteiro contribuiu fatalmente para elidir a sua ação inventiva. E, iludido ou não quanto as suas possibilidades, ele somente tratou de colocar em pauta as diretrizes fundamentais. Não adianta meditar no fator optativo do “metteur-en-scene” após a consumação da película. Ela está aí.
Zinneman, o autor de um grande clássico western: “High Noon” – onde todo o seu vigor de extraordinário realizador atinge plena saturação. No compasso de “Punhos de Campeão”, mas, daí em diante, fazendo com a câmera e com a tesoura uma autêntica apologia do cinema imagem em movimento, ritmo, sempre ritmo.
“A um Passo da Eternidade”, adaptação de um romance que se configura num pungente libelo, transferido para tela com toda a força das imagens. Uma dessas obras que tornavam a evidenciar o grau de independência de alguns realizadores americanos.
“Cruel Desengano”, outra adaptação, agora do teatro (Carson Me Cullers), quando Julie Harris teve ocasião de surgir no seu primeiro grande desempenho, ao lado da excelente Ethel Watters e do menino Brandon de Wilde, extraordinário.
Essas três fitas e mais “Ato de Violência”, “Espíritos Indômitos” e “Thereza”, num segundo plano de sua filmografia, colocaram Zinneman facilmente entre os maiores realizadores de Hollywood.


Cárcere sem Grades – não depõe contra Zinneman, não diminuí um ponto em seu prestígio. Pelo contrário, serve para evidenciar que se encontra em plena posso de todas as suas qualidades já denotadas, de que é também o artesão perfeccionista, capaz de cristalizar com inegável brilhantismo o conjunto de solicitações de um roteiro.
“Cárcere sem Grades”, até certo ponto, não é mais do que isto. Não houve aqui reação por parte do diretor, contra deficiências de um roteiro cinematograficamente pobre e estribado num argumento fraco. Cingiu-se a extrair o máximo que lhe era permitido dentro do critério previamente estipulado.
E, o máximo se delineia na interpretação muito bem ajustada dos quatro atores principais: Don Murray, Eva Marie Saint, Anthony Franciosa e Lloyd Nolan, com um ligeiro predomínio na moça: mais expressiva, menos vulgar como tipo humano e seu papel é, entre os outros, o menos inconsistente.
Na realidade, os quatro interpretes fornecem um espetáculo à parte de vitalidade, tanto para a representação como para a super-representação.
Outro ponto máximo da película é a fotografia ótima do grande
cameraman que é Joe Mac Donald, responsável entre algumas coisas pela inesquecível morte de Zapatta.
Aqui, ele se vê também um pouco contido pela repetição dos mesmos interiores. Sempre contudo que alguém vai para a rua, a sua câmara se agiganta, mediante tomadas de indiscutível riqueza plástica. São os edifícios, os logradouros públicos, a noite fria e a rua nevada etc. Já dentro do apartamento, procura sempre variar os planos, conferir ao cinemascópio uma dinamização, através da criação de um pequeno foco de atenção em cada parte da tela. Para tal, principalmente, joga com precisão os movimentos de cabeça dos atores. Lloyd Nolan, o mais seguro, lida com um papel já excessivamente repisado, e sem a menor variação, dentro do cinema ianque. Don Murray não é um bom tipo mas está excelentemente bem dirigido. Franciosa sai-se bem do papel mais ingrato e Marie Saint muito firme, ainda melhor que em “Sindicato de Ladrões”.
A música de Bernard Herrman valoriza algumas seqüências; noutras permanece convencional.
Os coadjuvantes com seus respectivos apelidos, reforçam a já imensa galeria de personagens sádico-neuróticos de Hollywood. No presente caso, não deixa mesmo de haver uma certa dissonância na marcação excessiva dos temperamentos, principalmente levando-se em consideração que a sua função no decorrer da trama central, apresenta um aspecto excessivamente marginal.
Em conclusão – pode dizer-se que se “A Hatful of Rain” não chega a ser um fracasso está demasiadamente longe de se configurar numa grande realização. Faltou exatamente aos seus responsáveis uma noção precisa de como conferir dimensão ao caráter patético que se desejava colocar em evidência. O problema dos entorpecentes e das pessoas que se viciam possui um teor apenas vinculado à tonalidade conteudística. O foco radical do entrecho não se alimenta da pungência do drama do marido às voltas com a droga sem a qual já não pode viver e por isso não tem nem mais ânimo de tocar na jovem esposa. É necessário compreender que esse fato e o conflito do pai com os dois filhos é que se constituem no principal objetivo a abastecer ação e o conseqüente ritmo psicológico da película. Lloyd Nolan poderia ser injusto para com o filho do casado em lugar do outro: Don Murray em vez de viciado em heroína, poderia ser gigolô ou jogador de dados que o celulóide não se alteraria – conservadas, é claro, as características teatrais da trama.
Evidentemente, não será a troca de heroína por cocaína ou maconha, a transferência da ação para o
bas-fond ou o campo de basebol que hão de resolver a questão. Esta se apoiará numa perene necessidade que tem o cinema do que se denomina de ritmo dinâmico, apto a ser obtido através dos diversos critérios de solução formal dos quais dispõe qualquer cineasta experimentado, para saber o mais adequado para determinado caso. O ritmo dinâmico não permite uma invocação à superficialidade, quer dizer, à movimentação exterior, extrínseca, da seqüência. Se assim fosse, todos os seriados seriam obras-primas. Nem também que a ação-vetor de um filme seja obrigatoriamente reflexo de um argumento rico em qüiproquós. “Tabu” ou “Umberto D” provam justamente o contrário. O ritmo dinâmico, que enriquece e instiga as nossas especulações intelectuais, que fere os nossos receptáculos sensoriais, é fruto do impulso orientado às formas vivas, autênticas, capazes de despertar o poder catártico do indivíduo. E isso tudo tem muito mais a ver com conflito de “shots”, jogo de planos, massas, volumes ou cores, tensão espaço-temporal de elementos atuantes de acordo com a concatenação dos processos, enfim, rigorosa concepção de estrutura, do que com a natural aversão à guerra, às infindáveis chagas sociais ou o apego aos dilemas intimistas, terrestres ou interplanetários. Esta é a escala dos clichês que jamais aumenta ou diminui a força em potencial de qualquer objeto artístico em fase de elaboração. São os elementos ditos conteudísticos, recorridos para o totum do processo formal; e, no momento em que vem participar do mecanismo, não deixam também de ser forma. Falsa, portanto, é essa idéia de dualidade entre o que se chama de conteúdo e o que se chama de forma. Não existe um desenvolvimento paralelo e independente dessas duas acepções dentro de uma obra de arte. Há somente a segunda com todas as diversas variações depuradas do fluxo vital a que se consigna.

Jornal do Brasil
15/12/1957

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

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Jornal do Brasil 17/02/1957

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Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

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Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

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Jornal do Brasil 12/05/1957

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Jornal do Brasil 30/06/1957

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