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Irving Lerner

Com a possível ressalva para John Cassavetes, cujo filme, Shadows, mereceu o aplauso de alguns observadores bastante autorizados, torna-se Irving Lerner a maior revelação do cinema americano, desde a fulminante aparição de Kubkick, com Killer’s Kiss e The Killing.
Verdade é que Hollywood, através da produção B, sempre coloca em circulação, de decênio em decênio, a sua nouvelle vague, embora não exista, no caso, o alvoroço publicitário a delinear a genialidade de cada um de seus integrantes. E, atualmente, além de IL, seria injusto não citar Irving Kershmer, Hubert Cornfield (há pouco saudado pela esquerda do Positif), Paul Stanley e Paul Wendkos, entre os que conhecemos. Alguns desses diretores, com o acesso às produções A, e o conseqüente aumento dos salários, acabam por se diluir. Outros já perdem o élan ainda nos primeiros passos, como, aparentemente, é o caso inexplicável de Wendkos.
É de se esperar que tal não venha a ocorrer com Lerner, dotado da têmpera dos grandes cineastas. Seus dois últimos filmes – Cilada Mortífera (Murder by Contract) e Uma Vida em Pecado (Studs Lonigan) não perfazem somente uma promessa; já invocam o homem de cinema em plena consciência do seu instrumento, de maturidade formativa, já acionando um válido e funcional processo. E pode-se mesmo notar o fato de ele não apresentar nenhum vestígio saliente de influências daqui ou dacolá. Tudo, ao contrário, denota uma experiente apreensão das virtualidades de uma dialética de formas que propõem os recursos atuais da sétima arte.
A sua formulação de um processo tem, até agora, a chave estrutural orientada sob o ponto-de-vista da montagem, compreendido, aqui, o termo, no sentido da agenciação dos cortes – estando a incidência destes coordenada não apenas com vistas ao efeito imediato, mas dentro de uma correlação orgânica, a prefixar um ritmo. Murder by Contract já evidenciava isso, apesar do caráter linear da evolução da trama. Contudo, o seu tratamento singularmente insólito, a inventiva de certos efeitos, a secura, quase em nível de documentário, para desenvolver determinados trechos da história, foram mais do que suficientes, a fim de descerrar um tipo de sintaxe quase telegráfica de narrar acontecimentos, através da linguagem cinematográfica, e pulverizá-los no tempo.
De saída, o seu argumento também bastante original, escrito por Ben Simcoe: o matador profissional, frio e preciso, agindo como um especialista de qualquer atividade normal do gênero humano. Apenas, e apesar de a sua ciência e imaginação para com o ofício, encontrará o seu Waterloo com uma mulher; e, aliás, se soubesse de antemão o sexo da vítima, “cobraria o dobro”. O filme é seco e frio como o protagonista, dosado com algumas pitadas de um caricato bizarro, geralmente entregues às reações dos seus dois auxiliares e vigiar do êxito de sua missão. E Vince Edwards aproveita a excelente oportunidade que lhe foi conferida por Lerner, cumprindo destacada atuação ao interpretar o protagonista. É o seu melhor papel, embora já tivesse brilhado, em curta aparição, no Grande Golpe (The Killing), de Kubrick.
Um Vida em Pecado (Studs Lonigan), baseado na obra de James T. Farrel, traduz um passo à frente na carreira de Irving Lerner e consiste numa película com maiores implicações formativas. O diretor utiliza um esquema, agora, com maior número de elementos estruturais. De início, vale ressaltar, o eficiente script de Philip Yordan, que também foi o produtor da fita. Economia e uma sintese dinâmica para a dialética motovisual dos eventos. Existe só a restrição para o desfecho, algo moralizante, do episódio de um jovem, para quem o meio social alienado propiciava uma série de impasses.
Essa realização marca incisivamente a sua contribuição para a dialética do processo fílmico em nossa época. Dois terços da fita oferecem, como assinalamos acima, uma espécie de sintaxe telegráfica para a narrativa cinematográfica. O diretor consegue, em pouco espaço de tempo, presentificar o que um metteur-e-scène de uma linhagem mais tradicional – discursiva (um Wyler, um Stevens ou mesmo um Visconti) – o faria com um mínimo de duas horas de projeção. Opondo-se ao crescendo clássico, às lentas minúcias de uma técnica da devassa interior, muitas vezes solicitando para uma analogia com o método da literatura, Lerner opta pela fragmentação da contextura eminentemente linear da exposição anedótica através de um sistema de flashes, de quase relances visuais, que se chocam e se cruzam numa dialética concreta das relações visuais.
A perspectiva da montagem, como critério ativador, ganha enorme ascendência e, em algumas seqüências, a sua utilização torna-se exemplar, tomando-se, aqui, em conta o próprio consumar episódico e isolado dos efeitos, em separado de sua função para com o todo. Pode-se relembrar duas passagens nesse estilo: 1 – a idéia do decorrer do tempo, com o girar do carrocel entremeado com alguns flashes da vida de Studs e sempre com a valsa no fundo; esse trecho tem algumas proposições estruturais bem afins com as da antológica passagem do Coeur Fidele, de Jean Epstein, embora neste a câmara se integrasse no vertiginoso movimento circular; 2 – o strip-tease mental de Studs na sala da professora; após gaver assistido com os camaradas a uma assistência ruidosa e esfumaçada de uma espelunca, o protagonista vai à casa da antiga professora e, lá, enquanto palestram, começa a imaginá-la num número de strip-tease; acelera-se a montagem do real com o imaginário, não apenas no plano visual, mas também no sonoro: o Mozart da vitrola funde-se com o jazz e é toda uma tensão que se afia na sucessão de cortes até o arranco do rapaz sobre a mulher.
A opção de corte, no papel de elemento de máxima importância para um complexo orgânico, associa o realizador um máximo de intensificação no enriquecimento da matéria fotográfica. EM grande parte das cenas, temos um luzir neo-expressionista dos contrastes preto-branco, claro-escuro, luz-sombra, permanentemente sob o crivo de um enquadramento apurado e funcional ao espírito da seqüência. E, amiúde, os detalhes, que agridem no primeiro plano, trazem a marca definida de uma orientação simbólica, elo entre os fatos; às vezes, também um intróito de efeito, como as bolas de bilhar, logo no primeiro plano da película. O impecável trabalho do cameraman J. Arthur Feindel correspondeu a todas as solicitações da concepção do diretor.
A parte final de Uma Vida em Pecado já se impregna de um ritmo mais lento, distante da euforia anterior para uma autêntica apologia do vazio existencial. Com o paulatino desaparecimento dos amigos, resta a Studs uma forçosa escolha entre a solidão total e a meia-solução de um casamento despido de qualquer engodo romanesco. O desfecho é abrupto como o é a concessão moralizante, porém, nesse súbito relance, que chega a surpreender até os espectadores mais experientes, reside a própria atenuação do citado moralismo, onde muitos ficam sem perceber direito qual o destino dado ao casal na chuva. As palavras do padre Gilhooey foram incisivas, mas o choque consegue por em dúvida a sua concretização nos atos de Studs. Talvez o corte de maior efeito entre os tantos que a fita proporciona com refinado aprimoramento, numa tradição que já parecia se esvair do interesse especulativo dos estetas do cinema.

Jornal do Brasil
23/09/1961

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

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