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Atualidade de "O Condenado"

Reexibido na primein sessão do Museu de Arte Moderna no corrente mês, "O Condenado" (Odd Man Out), estreado há dez anos, vem provar que continua sendo um filme inteiramente vivo no atual panorama cinematográfico.
Trata-se de um autêntico clássico da sétima arte. Poucas vêzes o patético foi expressado na tela com tal pungência, numa transfiguração cunhada mediante os mais válidos objetivos estéticos.
Partindo de um "script" de F. L. Green, o desenrolar das imagens se prende à odisséia da fuga de Johnny (James Mason), procurado pela polícia após ter assassinado involuntàriamente o caixa de um banco que êle e seus companheiros assaltaram com fito de arranjar fundos para a campanha de revolta política de sua associação. Quando a câmera não se encontra diretamente acompanhando o protagonista em seu errar esquivo pelas: ruas escuras e esfumaçadas de Dublin, está de qualquer maneira focalizando o que se poderia denominar de reflexos em paralelo ao que ocorre com o fugitivo.
Em "Odd Man Out" todos os elementos vinculados aos diversos zoneamentos dos preceitos formais que foram convocados estão estruturados de modo admiravelmente preciso. O caráter funcional, acentuado até nos menores detalhes, chega ao paroxismo no que tange ao rigor. Não existe um "close-up", um objeto sequer que assuma o primeiro plano, que se constitua em mero aprimoramento voluptuário. Tudo está a servico do máximo de expressão e, sempre que possível, obedecendo a um critério inventivo de aplicação no que se refere a recursos e efeitos da linguagem cinematográfica. Robert Krasker, o grande "camem-man" que viria paulatinamente até hoje reafirmar tôdas as suas virtudes, tem um dos trabalhos mais perfeitos que conhecemos com o prêto e branco e no jôgo do claro-escuro. Ao complexo de solicitações do "script", amadurecido na execução, êle correspondeu "in totum". Aliás, viria a se aliar constantemente a Carol Reed, dentro de seu mister, através de uma série de fitas do "metteur en scene"' avultando novamente, no que concerne ao trato das imagens em "O Terceiro Homem".
São múltiplas as soluções de elevado valor artístico com que foram cunhadas diversas sequências, algumas com traços visivelmente surrealistas, outras vasadas em aprimorado expressionismo.
No primeiro caso estão as evocações do foragido por meio de quadros quando se encontra na sala do pintor lunático, cuja ambição era a de retratar a fixação do olhar de alguém que vai morrer. A passagem em que, trancado num dos reservados do bar, derrama inadvertidamente o copo de cerveja e dentro de cada bolha está uma face de uma pessoa conhecida, não deixa outrossim, de oferecer uma concepção surrealista, mas que se funde com uma necessidade de economia no que se refere aos meios de comunicação, a fim de evitar recursos de compensação contra uma quebra forçosa de ritmo num momento praticamente pertencente à fase pre-climáxica da película. Em lugar de uma sucessão de ligeiros "flash-backs", um detalhe no grande primeiro plano resolve o esquema do trecho em foco, enriquecendo concomitantemente o filme em virtude da inventiva estritamente funcional da solução que foi imprimida.
Outro recurso para criar o evocativo em "flash-back" dentro da própria cena focalizada é o que se verifica no interior do abrigo antiaéreo abandonado, em que James Mason se
ocultara, no instante em que a imagem da menina que fôra buscar a bola que lá caíra, entra em fusão, mediante processo análogo de "fade-in e fade out" dentro do "shot”, com a de um policial com o qual principia a dialogar até o retôrno à realidade.
As sequências finais desde o reencontro "da jovem com o perseguido até a morte de ambos, caídos sôbre a neve
e junto às grades de ferro de um muro, são, pelo menos no que tange a pureza visual, antológicas. Aqui, entra em cena com tôda a sua pujança, o grande iluminador que é Krasker, extraindo efeitos memoráveis.
Uma galeria preciosa de tipos, valiosos em significação, com preocupações individuais tôdas imediatamente afluentes às do personagem principal, contribui incisivamente para acentuar a feição patética do entrecho. Assim o são o pintor, o padre e o curioso magricela que lhe queria vender Johnny, o dono do bar e alguns dos companheiros de luta política. Apesar da extravagância de alguns, esta característica jamais os coloca "ad marginem" da realidade estrutural da trama.
O filme está pontilhado de largo número de efeitos admiráveis, de jogos de composição originais como o movimento da bola ao cair no túnel, os edifícios que balançam enquanto o veículo levando os assaltantes passa pelas ruas, vários "close-ups" e oscilação rítmica de cabeças em interiores muito bem calculados. Justamente o dinamismo intrínseco à própria sequência, criado através de um esmiuçar caprichado de todos os elementos aproveitáveis e nela contidos, caracteriza boa parte da metedologia estética de Carol Reed. Nesse ponto, êle em muito se assemelha a Ingmar Bergman, embora não seja um barrôco porque em suas fitas a explicação dos motivos funcionais e orgânicamente vinculados à estrutura da obra que regem uma série de artifícios técnico-formais se consuma durante a própria passagem em destaque ou pouco depois ou então já vem incorporada à uma lógica desenvolvida linearmente em paralelo com o ritmo estritamente visual ou intelectual que vige, em pauta. Já em Bergman, devido a sua maior complexidade na concepção do ritmo em todos os sentidos, somente após o desfecho da película e, muitas vezes depois de um segundo ou terceiro contato, é que o aspecto extremamente funcional de
vários recursos torna-se claro. Daí, êle desenrola uma interpenetração espácio-temporal marchetada pelo virtuosismo exarcebado das tomadas, consideradas isoladamente; esse calcar de aparentes perfeicionismos ou cintilante pontuação da linguagem cinematográfica é que, mediante um critério de transposição harmônica do mesmo fenômeno factivo observado em outros terrenos artísticos, pode ser denominado barrôco. E o têrmo não comporta pejorativos. Barrocos também o são, através de um critério relativo de comparação entre os indícios análogos de cada época, Crashaw, Gongora ou Mallarmé, Jorge de Lima, Niemeyer ou o Aleijadinho.

* * *

Nas realizações que levou a efeito posteriormente a "Odd Man Out", Carol Reed jamais conseguiu atingir o mesmo grau artisticamente qualitativo.
Se, em "O ídolo Caído" (The Fallen ldol) estêve no nível do melhor Hitchcock, tal não chega a se constituir em credencial para uma equiparação.
"O Terceiro Homem" (The Third Man), a sua segunda fita em matéria de importância, apresenta, no sentido superficial de seu aspecto imagístico, uma riqueza visual invejável, uma fotografia (e de novo Krasker) excepcional - um dos maiores exercícios pirotécnicos da história do cinema, lado a lado, no prêto e branco, com "Mensageiro do Diabo", "A Glória de Um Covarde" ou algumas produções suecas. Porém, contra a amplitude emocional do impacto descarregado pelo pathos de "O Condenado", permanece num plano de intensificação bem menor o precioso, mas pequeno, cordel de sensações invocado num clima do mais refinado "divertissement", criado por "The Third Man" - um "thriller" de alta categoria, enfim.
Após, Carol Reed entrou numa fase marcada por uma nítida queda de eficiência, malgrado todos os filmes estivessem repassados por uma ambição estética facilmente assinalável, à exceção de "Trapézio".
No que se relaciona a "O Pária das Ilhas" (An Outcast of the lslands), se o clima e a ambiência de Conrad foram projetados com muita validade, boa fotografia, ótimos intérpretes (Robert Morley, Wendy Hiller, Trevor Howard), o ritmo, por outro lado, permite que a monotonia se espraie em diversos trechos - o sentido do dinâmico é abafado por um estaticismo sufocante e, por conseguinte, a moving image se atola no painel.
"O Outro Homem" (The Man Betwenn) e "A Rua da Esperança" (A Kid of two Farthings) são realizações desiguais - altos e baixos. E, finalmente, o caráter comercial das intenções do grande espetáculo no gênero demillea no liquida com qualquer pretensão mais séria que ele pudesse ter com respeito a "Trapézio”.

Jornal do Brasil
13/10/1957

 
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Revista Leitura 30/11/-1

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