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E busca do cinema perdido - II

Baseado na histórica ocorrência, Alamo consiste numa das produções mais dispendiosas de Hollywood nesses últimos anos. 23 de fevereiro de 1936: 182 homens, militares e civis, entrincheiram-se no Alamo - semidestruída missão espanhola no povoado de San Antonio, Texas. Objetivo: resistir até o fim à investida dos mexicanos; comandados por Santa Ana. Morreram todos os 182, mas conseguiram, antes disso, dizimar mais de mil e setecentos, entre os sete mil adestrados inimigos. Ninguém poderia esquecer o Alamo. Mesmo porque, não fôsse provavelmente essa heróica resistência, Sam Houston, talvez, não tivesse conseguido ganhar tempo para, 46 dias depois, derrotar Santa Ana, em San Jacinto.
As despesas com a película, cuja filmagem durou 88 dias, foram monumentais. Os cuidados de produção atingiram a todos os requintes: construírarn a réplica da Cidade ele San Antonio e da antiga missão espanhola, organizaram-se manadas de gado, dentro também do critério da maior auten ticidade histórica; sem falar nas cenas de batalha e nos seus sete mil e tantos figurantes.
Essa famosa passagem histórica da primeira metade do século XIX já foi, evidentemente, focalizada, em maiores ou menores trechos, numa série de realizações. Nunca, entretanto, alguém se entregou, cinematograficamente, com tanto amor ao episódio, como John Wayne. Há 14 anos começara a trabalhar para a concretização da fita que marca a sua estréia como diretor. E, apesar de ser o ator predileto de John Ford, de ter, com este, trabalhado em tantos filmes e, assim, absorvido o mood do cineasta irlandês. The Alamo, ainda com a ressalva de contar, em seu elenco, com um bom número de intérpretes fordianos, é, como bem observou Michel Delahaye, uma obra mais vinculada à linha Griffith De Mille. De um lado, diríamos, está bem mais atinada, como realização, à concepção de movimento e ao espírito do primeiro; de outro, oferece, nos bons e maus aspectos, o temperamento grandiloquente, o tonus espetacular do segundo. De Ford, o que temos são alguns detalhes e, em especial, certas pitadas daquele seu típico humor virulento, via de regra, com a participação já expirementada do próprio John Wayne; também um dos atores protagonistas, vivendo o papel de David Crockett, nessa sua estréia como mettéur-en-scêne. E o mesmo Ford, após assistir a The Alamo, teria-se manifestado do modo mais favoravelmente exuberante: "Este é o filme mais importante que já se fêz. É eterno. É o maior filme que jamais vi. Durará para sempre - será visto por todos os povos, tôdas as famílias - em todo o mundo!"
Essa ingenuidade de alguns gênios intuitivos nem sempre produz idênticos resultados no terreno da criticá, como no da criação. Todavia, a fita, se nunca chega a ser o que Ford anuncia, retoma, principalmente em sua metade final, a grande linhagem de uma tradição rítmico-visual em moldes clássicos, já quase perdida dentro de outras indagações estruturais a que se aventura a linguagem cinematográfica, e nos devolve quase ou pràticamente intacto todo o frescor de um espírito da épica, cristalizado em determinado período por alguns dos grandes mestres da Sétima Arte. Destarte, se Kubrick, nas cenas de batalha de Spartacus, nos remete a Eisenstein, The Alamo, agora, nos invoca Griffith. Quanto a John Wayne, malgrado a seriedade do seu interesse no assunto, não podemos, no plano da simples direção, atribuir-lhe todos os méritos contidos nas melhores sequências de Alamo. Tomando em conta que a maioria absoluta de tais sequências envolve grande movimento de massas e de que o ritmo delas se decide na sala de corte, não se nota nelas nenhum traço mais pessoal, cunhando um ponto-de-vista da câmara e, até, os seus níveis esteticizantes mostram-se, pelo menos à primeira vista, longe do patente anti-intelectualismo de J.W. Nem, via de regra, os primitivos são bons montadores, experts no corte de efeito - John Ford, como exceção evidente.
Dessa forma, o filme tem tôdas as características de um preciso assessoramento dos consultores especializados. Mas antes de tudo, o que importa é o status da obra e, não, seu autor ou autores. The Alamo propicia indelevelmente as oscilações e, num lance posterior, a transição academicismo-classicismo. O que, de início, estava aprisionado nos limites estreitos da fórmula - apresentação e devassa psicológica algo livresca dos personagens - pouco a pouco, na medida em que o desfechar da maior ação na narrativa eclode na dinâmica do movimento simples, exterior, entra, liberta-se pelas estrias de uma organicidade vitalizante de composição no espaço-tempo. Nas cenas de batalha, tanto no seu preparo, quanto no desenrolar, vislumbra-se todo um gráfico de conflitos entre as linhas de deslocamento em direcão ao fundo do campo visual e as que transcorrem em sentido lateral. Decorrido um tempo mais adiante, êsse conflito já se intensifica a partir do corte e da avalancha de movimentação dentro do quadro. As sequências de batalha possuem, na realidade, trechos magníficos, principalmente aquêles que focalizam a morte dos três protagonistas por excelência da luta: Coronel Travis (Laurence Harvey), após desesperado duelo de espada, David Crockett (John Wayne), recebendo súbita e violenta lançada no peito e, a mais magistral, a do Coronel James Bowie (Richard Widmark), tornado, em admirável composição, num autêntico paliteiro de baionetas, com o corpo do escravo negro sôbre seu.
Num plano de crítica ideológica, não há como querer fazer exigências a uma realização como essa. As suas proposições estruturais fogem a uma atualização de uma dialética histórica, a repor, hoje em dia, o espectador em situação, como foi o caso nas evidentes intenções de Kubrick, com o seu Spartacus. O saudosismo de Wayne já representa um entrave a qualquer pesquisa nesse sentido. E chega até a ser isomórfico, pois vigora, lado a lado, sob uma perspectiva puramente conteudística, como também sob outra puramente formal, embora, dentro desta última, manifeste-se mais saudável. Na primeira, traduz aquêle anelo dos bons tempos, quando ainda era possível o arrôjo romântico do heroísmo individual. Na própria revista especializada Positif, um dos redutos da crítica de esquerda na França, Roger Tailleur, apesar das ironias iniciais, e perfeitamente cabíveis, no tocante à ingenuidade democrática do ator-produtor-diretor, reconhece o devido valor da obra, taxando de sublime a descrição cinematográfica da batalha, dizendo que jamais, após a famosa cena da carga em The Red Badge of Courage (A Glória de um Covarde), de John Huston, a guerra fôra apresentada no écran com tanta violência e horror; e, pedindo perdão a King Vidor, assegura que os trechos de batalha, em Guerra e Paz, empalidecem nitidamente frente a The Alamo.
Resta assinalar a contribuição do trabalho fotográfico de William Clothier, há pouco, brilhando também em The Horse Soldiers (Marcha de Heróis), de Ford, nessa ressurreição da épica no cinema e através de um processo de linguagem, forjado a partir da simplicidade imediata dos efeitos, aduzidos do elemento côr, que, apesar de arquivado com vistas a perspectivas revolucionárias na estrutura do filme, ainda, quando bem filtrado, demonstra o élan fundamental que fêz nascer a denominada Sétima Arte.

Jornal do Brasil
02/12/1961

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

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