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O Novo Cinema Brasileiro

Os Cafajestes

Muitos se atarantam com a vanguarda e argumentam ou, até mesmo, agridem sob o escudo da "simplicidade", esquecendo-se ou ignorando um cabedal de complexidades a vencer quando se ''quer" ser simples. Falam, daí, em Humberto Mauro, realmente o nosso cineasta pioneiro. Outros, levando o pensamento ao âmbito internacional, invocam o nome de cineastas respeitáveis para escapar pela porta do que se chama "sentimento". Contudo, a praxis, solerte, parece demonstrar que quase todo sentimental é, por princípio, um reacionário. Existem os que se opõem por motivos pessoais e/ou de concorrência: é o pano de fundo de seus arrazoados. Mas, isso, não nos interessando, muito menos moverá a neutralidade do leitor. Há também a contrafação dos copistas apressados de uma denominada crítica de esquerda e, sem evidenciar a menor formação fiIosófica, autoarautos de seu próprio engagement, procuram a sempre ausente (para êles) realidade brasileira.
Não é de se espantar em demasia: assim como a direita é sempre torta, o chamado esquerdismo de fachada é, amiúde, canhestro. Certos "críticos" dizem simplesmente: não gosto. A sétima-arte torna-se, então, uma espécie de derivativo na aplicação do amadorístico gôsto pessoal. Permanecer na sala de projeção seria o mesmo que estar num restaurante. E o conceito de cultura varia de acôrdo com o peixe que se pode vender. A crítica não deveria partir de um absoluto, de uma abstração convencional, do eu gosto ou não gosto, e, sim, do porque. Finalmente, há os moralistas tout court, sem saberem o onde, o como e a razão que define a sua atitude: uma classe que, estranhamente, ainda tem seus remanescentes numa sociedade industrial. Entre êles, um chefe de polícia que, no último ato, entra metendo as mãos (diria-se, os pés) dentro do assunto. Adocicando o efeito nefasto de sua intervenção, ficou o sabor do ridículo, próprio aos burgueses de vaudeville, como magro consôlo aos apreciadores civilizados da questão.
Os Cafajestes, com a exceção, na época, de Limite e, possivelmente, uma ou outra experiência desconhecida para nós, é o primeiro filme de vanguarda realizado no Brasil. O primeiro filme nosso a se colocar, radicalmente, numa linha moderna da invenção, em têrmos de reformulação estrutural. É quando o cinema envida inaugurar uma linguagem autônoma, dentro de sua própria vivência formativa, sem alienar os seus elementos válidos em favor da organização, análoga à discursiva, de uma história que remete, conceitualmente, a uma experiência anterior ao filme em si, já filtrada na memória e racionalização pelo intelecto, segundo o método de uma lógica dedutiva. Trata-se da independência que buscam alguns cineastas básicos da atualidade, como Resnais, Antonioni, Godard, Rouch (não querendo discutir o resultado da comunicação, em seus efeitos, Chronique d'un Été é um esfôrço aceitável nesse sentido).
Quando se assiste aos últimos filmes dêsses diretores, ou ao nosso Cafajestes, não é possível acompanhar a sua dialética estrutural, mediante um apêlo à engrenagem do pensamento lógico-analítico e, sim, a uma apreensão sintético-analógica. De nada vale perseguir o princípio-meio-fim de uma história de fundo, quando a forma, condicionando o fundo, já aboliu êsse tipo de manifestação denotativa e estamos frente a uma linguagem conotativa.
A película de Ruy Guerra não está privada dos chamados defeitos. Existem mesmo algumas distorções na faixa psicológica de aferição em que se situa o espectador, em face do complexo de condições perceptivas formuladas pelos elementos fílmicos em relação. Quando Daniel Filho corre pelo branco das areias, desfecha tiros pelo ar e cai, posteriormente, ao solo, em prantos, e logo, a jovem se atira frenética a seu corpo, tôda essa sequência, após aquela, imediatamente precedente, envolvendo os acontecimentos da noite, soa falsa. Quando os diálogos tentam, fragmentariamente, situar as relações de determinados personagens com outros, não encontramos, em nosso entender, uma eficácia plena na seleção de dados-chave para o processo de uma informação telegráfica.
Não se negue, por outro lado, a influência dos cineastas supracitados sôbre Os Cafajestes. Nem também a fatigante ginástica para "não querer" narrar um acontecimento que está na imaginação dos autores. Assim, a película permanece mais na vertente de L'Avventura e de A Bout de Souffle, mais orgânicamente vinculados ao problema do comportamento e trabalho com o ator num complexo fenomenológico do estar, propulsionado pela câmera, em lugar da evolução psicológica de um sêr predeterminado pela redução conceitual elaborada nas modulações semânticas pertinentes à linguagem verbal. Do outro lado, fica "Hiroshima Mon Amour” (ou Alain Resnais) quando a ficção se forma dentro do documentário e não êste meramente se agrega, em caráter suplementar, àquela.
As mencionadas influências que Ruy Guerra sofreu, intuitivamente ou não, são mais do que benéficas, num critério de assimilação de processos e, não, de simples repetição de efeitos. Mais do que benéficas, ainda: necessárias. Pior seria a influência de diretores, grandes e/ou importantes, que já se demitiram de uma dialética de processos ou, mesmo, nunca a enfrentaram: Ford, Fellini,
Viscomti, René Clair, etc.
Algumas passagens magnificamente construídas, invocam a inteligências criativa, bem municiada pela experiência com fitas modernas de vanguarda. Logo no início, o difuso em boa consumação plástica de claro-escuro, as imagens que se mesclam aos letreiros e tôda a cena de Jece Valadão com Glauce Rocha. A câmera, sempre ágil, buscanco o ângulo mais insinuante, o jôgo de iluminação preciso, sem nada dever aos dos grandes profissionais alienígenas. A noção de fluência, em ritmo, é a mais depurada nesse introito que, por si só, já justificaria um filme brasileiro.
Na sequência do forte, onde os dois protagonistas fumam e passeiam pelos muros brancos, temos talvez o ponto mais ''importante" da fita: a dinâmica do instrumento forja aquela sensação ampla do estático psicológico da ambiência, marcado em algumas levitações, tudo sem sair do plano intimista e manipulado com aquela sabedoria intutiva de reger um tempo externo, físico (a duração de cada imagem), em função do tempo interno, de adequação psicológica ao que os elementos transmitem. É quase uma espécie do tempo metafísico, já denotado pela magistral sequência dos rochedos em L'Avventura e, aqui, presentificado com pouca semelhança dos recursos empregados na película italiana.
Já o trecho mais famoso e discutido - a mulher nua na praia, cercada pelo automóvel que gira em tôrno dela, com o ruído dos berros e o metralhar da máquina fotográfica - oferece, em oposto, um máximo de dinamismo exterior. A câmera circulando sem cessar, a faixa sonora retinindo inquieta e a imagem furiosa. Cria uma verdadeira catárse cinematográfica e conduz a platéia à exasperação, levando também em seu bôjo, a dita passagem, algumas implicações profundas, a partir de um antierotismo utilizando o próprio nu. Pode-se dizer que é a cena mais original do filme, tanto na forma, como fundo, isolados para uma apreciação crítica.
O uso da matéria sonora ganha destaque dentro das perspectivas de vanguarda. De saída, a eficiente assimilação de uma técnica moderna: o desencontro propositado dos diálogos entre si e com a imagem. Esta, muitas vêzes se adianta ou antevê o que se fala. São novos focos de relações e um conflito diacrónico entre os elementos visuais e sonoros. Ou então, a fuga a um realismo imediato da correspondência do ruído com a distância da pessoa ou objeto que o emite. Nisso, a cena final, com o protagonista se afastando do carro e avançando em direção (primeiro plano) ao espectador, enquanto o rádio, com as notícias, embora já longe, continua a ser ouvido alto. Aqui, está um arremate antidiscursivo do que o diretor já estava proporcionando através do próprio contexto formativo (movimento / imagem / som) da película: o pleno delírio da alienação propiciada por uma sociedade capitalista-industrial, com a subversão de todos índices funcionais de ordem e distribuição. Sem enfrentar diretamente a relação chave - homem x máquina - temos uma das variantes da desorientação impulsionada pela crise moderna.
Por fim ressalte-se o trabalho com os atores: Jêce Valadão, Norma Benguel e Daniel Filho (êste com alguns excessos) adaptados, adequados a um nôvo ritmo de interpretação. E a magnífica contribuição da fotografia de Tony Rabatoni e do acompanhamento musical de Luiz Bonfá.

2 - CURTA-METRAGENS


Couro de Gato, de Joaquim Pedro, e O Menino de Calças Brancas, de Sérgio Ricardo, se consistem em duas contribuições de mérito na escala do cinema nôvo. O primeiro, principalmente, com a sua euforia rítmico-visual, lembrando em muito aquela pureza de linguagem de alguns estetas da velha-guarda, bem dosada com alguns elementos modernos. A especulação com o objeto-imagem, no caso, o gato, em função do qual se movimenta, de fora, a câmera e, dentro as figuras humanas.
Já a película de Sérgio Ricardo cede às vêzes, a uma lentidão, nem sempre funcional. Contudo, temos um ótimo tratamento da imagem, uma correlação bem achada entre a faixa musical (excelente) e o movimento dos personagens, criando, em determinadas passagens, um autêntico ballet cinematográfico. Também, o aproveitamento do caráter tonal, à partir do branco das calças do menino. Na melhor sequência, após o salpico de lama tê-las sujado e a consequente tristeza do protagonista, é a euforia do branco das calças dos fuzileiros, cuja banda passa pela rua.
O Menino de Calças Brancas, na perspectiva de um mundo infantil, trata a ambiência favela, sem a clássica batucada, conseguindo um clima de intimismo acolhedor na base da justaposição das imagens tranquilas, com os acordes da concepção harmônica, em lugar da melódica, que a Bossa Nova imprimiu a nossa música popular.
São duas fitas que enriquecem o panorama do nosso curta-metragem. Couro de Gato, por exemplo, exibido num festival de curta-metragens franceses, apenas nos pareceu inferior à outra obra-prima de Alain Resnais - Nuit et Bruillard.

3 - REALIZAÇÕES NA BOCA DA ESTRElA


a) - A Ilha, de Walter Khouri, um de nossos melhores diretores: Na Garganta do Diabo é um dos maiores filmes brasileiros. Segundo consta, esta última película foge às características gerais das obras anteriores. No elenco, José
Mauro de Vasconcellos e Lyris Castellani.

b) - Barravento, de Glauber Rocha, já em fase final de montagem. Filmado na Bahia. Glauber Rocha, crítico, e um
dos maiores batalhadores no front do cinema nôvo.

c) - Assalto ao Trem Pagador, de Roberto Farias, autor de um de nossos melhores filmes no gênero, Cidade Ameaçada. A fita, extraída de um dos fatos reais que mais emocionaram a opinião pública ultimamente, é motivo de esperanças, especialmente porque seu diretor, a julgar pela obra supracitada, parece sentir-se à vontade com os entrechos que demandam acão.Os Cafajestes

Jornal das Letras
01/05/1962

 
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Revista Leitura 30/11/-1

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Jornal do Brasil 17/02/1957

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Jornal do Brasil 24/02/1957

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Jornal do Brasil 03/03/1957

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Jornal do Brasil 03/03/1957

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Jornal do Brasil 17/03/1957

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Jornal do Brasil 24/03/1957

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Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

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Jornal do Brasil 07/04/1957

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