jlg
cinema

  rj  
Julgamento em Nuremberg

Stanley Kramer, há muito, já firmou o conceito que goza de ser um dos mais corajosos homens de cinema de Hollywood. Isso dentro de um contexto de participação ativa, voltada para os grandes temas e problemas da humanidade. A sua têmpera não é a de um renovador, que sempre parece estar pondo em situação a atualidade de uma linguagem, de seus processos. Por outro lado, é o artesão altamente dotado, dominando com segurança os recursos da câmera.
Desde que deixou de ser aquêle valoroso produtor independente, a sacudir um determinado período do cinema americano, com fitas de indiscutível impacto, entregou-se ao métier de diretor é tem realizado películas, algumas maiores, outras menores, porém sustendo uma boa média de rendimento.
Julgamento em Nuremberg, com foros de super-produção e um ali-star cast, desmente de maneira frontal o paradoxo de quanto maior o número de recursos técnicos e financeiros, menor as possibilidades de se conseguir um bom filme, pelo menos sério. Ao contrário, trata-se de um dos mais corajosos espetáculos dos últimos, dentro de suas implicações político-filosófico-sociais, daquelas produções que, outro paradoxo ou contradições dialéticas, somente Hollywood, de vez em quando, é capaz de proporcionar. Desde Glória Feita de Sangue, de Stanley Kubrick, não recordamos outra fita com igual efetividade em chocar vigorosamente, embora aqui, mais diretamente a partir do plano ideológico, em lugar de um esquema para manipular a
conjuntura dramática.
Ao mesmo tempo, alguns ascetas do cinema puro diriam que
Julgamento em Nuremberg é falado em demasia, encaixa um tipo de dialogação teatral. Não é de se negar, mesmo porque, como já assinalamos acima, Kramer é um diretor mais afeito ao sustento de uma grande tradição, a remodular um terreno já palmilhado. Apesar de tudo, trata-se de cinema, de início, pela própria evidência de transcorrer numa tela, malgrado a notória vinculação com outras formas de expressão materialmente autônomas. Contudo, não deixa de preencher uma função social da arte, levando ao alcance de um público razoavelmente intelectualizado uma das conjunturas básicas mundo de hoje, dentro da perspectiva de seu autor.
A recapitulação de determinadas facetas do nazismo, permite suscitar algumas contingências ainda vigentes, a começar pelas contradições da própria democracia que incentiva um desvairado impulso mercantilista, reduz à inocuidade preciosas condições de se alimentar um espírito coletivista e enfraquece o Estado, como entidade disciplinadora do bem geral. Em contraposição, o mito de uma nação exageradamente forte, conduzindo o desvario do poder a consequências fatais para a sobrevivência do indivíduo e dando motivo ao desdobramento de castas, que se criam ao amparo de princípios vazados nas mais inconvenientes abstrações.
Kramer, de acôrdo com o roteiro de Abby Mann, formula e presentifica de modo adulto o esquema dramático. Não é aquêle cortêjo de vilões caricatos a representar os adeptos do hitlerismo, mas sim sêres humanos colocados em situação entre as margens de um dispositivo político-social. Sai de um evento real: julga-se em Nuremberg, em um tribunal presidido por um juiz norte-americano de Majne (Spencer Tracy), quatro juristas que serviram ao terceiro Reich, principalmente Ernst Jannings que foi ministro da justiça e deu curso a uma sequência de leis desumanas (Burt Lancaster). O problema capital não reside em discutir se um país, vencedor na guerra, pode julgar o vencido, nem se aquelas leis poderiam ter sido elaboradas. A essência está em salientar duas contradições, de sistemas, até certo ponto, não-antagônicos, que alienam um princípio básico de congraçamento humano. Os interêsses excessivamente dispersos, ou enfeixados em demasia. E como a primeira das constantes pode redundar na segunda. E o delírio popular por um Estado forte, o entusiasmo épico por uma situação apenas passageira. Sem recorrer às ilustrações de flashes-back, propicia-se à platéia êsse sentimento dominante na fase áurea do nazismo, da quase totalidade de um povo empolgada pelo mito que um mero cabo de guerra e pintor de paredes veio a encarnar.
Um grande pensador, como Max Müller, dizia ser o mito uma doença da linguagem e não era atoa que outro grande filósofo, do porte de Ernst Cassirer, em sua última obra -
O Mito do Estado – pedia aos artistas que trabalhassem incansávelmente a fim de que as obras de arte elidissem ao máximo o poder nefasto do mito. Cassirer abandonara a Alemanha e passou a fase final de sua existência nos Estados Unidos. O hitlerismo abalara-o a ponto de, na obra citada, haver trocado a impessoalidade do técnico, do estudioso especializado, por um candente apêlo.
No caso, a doença de Müller provocou efeitos drásticos e tirou uma nação do ópio de uma glória epidérmica e passageira para o caos e a humilhação. O ponto crucial, entretanto, como se depreende do teor efabulístico de
Julgamento em Nuremberg, não é o exemplo isolado de um país, a Alemanha nazista, mas o fato de que êsse fenêmeno, respeitadas as gamas de variantes, poderia ter acontecido com qualquer nação. Qualquer outra, onde o chamado regime democrático ficasse apenas no papel.
O personagem de exceção, o juiz vivido por Spencer Tracy, cuja integridade não se deixa violar por nenhum interêsse marginal ao centro da questão, não pode ser encarado como um escape utópico do argumento. Mesmo porque, a sua sentença não terá o alcance que discrimina: hoje, nenhum dos condenados estão cumprindo a pena de prisão perpétua. A única passagem "forçada" na película se consiste no momento em que Jannings interfere no vigoroso interrogatório que seu advogado de defesa (Maximilien Schell) faz a Irene Hoffmann (Judy Garland), por achar que está sendo ressuscitado o espírito da antiga Nuremberg. A objeção não se reporta ao fundo (nem sabemos se realmente ocorreu ou não), mas a forma de encaixá-la no esquema dramático. Dentro do ritmo psicológico da fita, seria mais plausível a atitude de passividade que vinha mantendo, sem abolir o diálogo final, já na prisão, com o juiz.
A direção de Kramer atinge um máximo de eficiência, sem procurar efeitos de imediato impacto. Nem mesmo apurou o seu extraordinário fotógrafo, Ernest Lazlo, na busca de fornecer um show pessoal de recursos visuais - preferiu a discreção funcional, de enquadramentos coadunados com o ritmo orientado pela montagem. E para as sequências decorridas no tribunal, o movimento de câmera é intenso, a forjar principalmente um harmonioso contexto de deslocações circulares.
No tocante aos intérpretes, o cineasta esmerou-se sobremaneira, obtendo um ótimo rendimento de conjunto: Maximilien Schell avulta, em primeiro plano, constituindo uma das maiores revelações dêstes anos - é, sem dúvida, nas menores nuanças, um ator de porte shakespereano. Spencer Tracy dá um tonus de sua antiga classe, como o juiz. Burt Lancaster, sofrivelmente maquilado, empresta bastante firmeza ao seu personagem, levando-se ainda em conta os empecilhos do papel e explorando, mais uma vez, a sua versatilidade. Por seu turno, o papel de Marlene Dietrich não apresentava maiores necessidades para o plot, valorizando-o, de qualquer forma, a veterana atriz com a sua presença. Montgomery Clift e Judy Garland, com duas intervenções menores, conseguiram extrair duas autênticas performances de seus tipos. E quanto a Richard Widmark, embora não esteja mal, é a figura menos eficaz do elenco; o defeito de seu personagem, aliás, parece-nos já vir no roteiro: um promotor enquadrado em alguns tiques muito convencionais do velho formulário.

Jornal das Letras
01/04/1962

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

562 registros
 
|< <<   1  2  3   >> >|