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Na garganta do diabo: ponto alto no cinema brasileiro

O cinema bom já se faz no Brasil. E, quando empregamos o adjetivo não nos estamos cingindo à nossa conjuntura. "Na Garganta dó Diabo" é uma realização de nível em qualquer parte do mundo. Desde "O Cangaceiro", de Lima Barreto, não se atingia ao mesmo plano de impacto. E, agora com uma ainda mais compacta unidade visual. Da maior "realidade temática" de "O Cangaceiro'', chegamos, no momento a uma melhor realidade artesanal o que, pelo menos em se tratando de arte, é muito mais importante.
De Walter Hugo Khouri, o cineasta de "Na Garganta do Diabo", só não conhecemos a primeira película, "O Gigante de Pedra". A segunda "Estranho Encontro", já constituia uma grata revelação, apesar de uma insuficiente consubstanciação de fundo tornar muitas vezes superficial uma eficaz consumação de forma. Contudo, o excelente tratamento plastico das imagens diversas soluções isoladas, de cunho nitidamente cinematográfico, a razoavel segurança no controle dos atares, equivaliam a mais do que o bastante em face da realidade em nosso meio, onde pontificam a chanchada mediocre ou um incipiente amadorismo.
"Fronteiras do Inferno" o seu filme seguinte, embora denotando a permanente seriedade do diretor em suas intenções e, ao lado de uma ou outra cena de maior efeito, uma tentativa de experimento com a cor, traduziu um fracasso, comparado com a fita anterior.
Agora, entretanto, Khouri retorna com o exito artístico que já vinha fazendo prever há algum tempo. "Na Garganta do Diabo" está, indiscutivelmente, numa classe acima de "Estranho Encontro” e, tivesse o seu argumento um pre-equacionado jogo de situações dosado de maior diretividade evitando, destarte, cenas forçosamente necessarias à historia, mas que restringem u'a maior agilidade rítmica, um constante domínio da ação visual, estaríamos, sem dúvida, diante de uma obra invulgar. Paradoxalmente, o filme acaba de ganhar, no Festival de Mar del Plata, um premio de melhor argumento. Não que este seja, no caso, um elemento inteiramente desajustado dentro do processo estrutural, mas, sim porque foi, no "totum” de um esquema de relações, o de menor valencia para o indice de eficacia do mencionado processo.
O diretor evoluiu nas duas partes distintas de sua ação: tanto no que se reporta puramente a um problema rítmico-visual, quanto no que se refere a um correlato critério de construção dramatica, envolvendo o consequente rendimento dos atores. Esta parte, por ser justamente mais fraca melhor evidencia o esforço de direção quando algumas passagens ingratas, devido a deficiencias do complexo argumento-roteiro, são conduzidas e sustentadas com admiravel segurança. Os movimentos de camera, sempre obedecendo a um teor funcional, modulam um correspondente rítmo visual externo para o clima interior das situações que se delineam através dos diálogos, gestos e ambiencia. E, o fluir de evolucões e movimentos, internos e externos, via de regra saturam-se num bem elaborado plano parado de composição – clichê dramatico-visual.
O conjunto de interpretes, muito solicitados, oferece uma boa media de atuação - extraordinaria para o cinema nacional. Luigi Pichi (Sargento Pedro Tomás de Andrade), com bastante presença, impõe-se um pouco a seus companheiros de elenco. Milton Ribeiro compõe uma boa mascara expressiva e José Mauro de Vasconcellos, malgrado alguns excessos, agrada num papel difícil. André Dodroy (Alferes Cados Reis) é o mais sobrio do naipe masculino. Quanto ao personagem de Juan, vivido, aliás com habilidade e discreção por Sergio Hingst, nos parece expletivo para as necessidades do entrecho, principalmente quando se requer economia em favor de maior concentração de uma ação visual, como é o caso da linguagem cinematografica, em contraposição aos apelos de uma formulação romanesca.
Entre as duas atrizes é inobjetavel o progresso de Odete Lara, numa caracterização bem definida, porém quem ainda mais sobressai é a estreante Edla Van Steen, muito segura no seu jogo de reações e com a mascara facial precisamente explorada.
No conjunto de soluções de ordem simplesmente dinamico-visual, Khouri volta a corroborar todas as expectativas. Sabe-se de sua admiração pelo grande cineasta sueco, Ingmar Bergman. E essa admiração vai à identidade no angulo de visão de utilizar alguns recursos, à concepção do uso de alguns elementos. Entre estes, o emprego reiterado das fusões, no qual, se Bergman é um mestre, o realizador brasileiro não deixa de se revelar um perito. Poucas vezes assistimos a um filme com fusões tão bem efetuadas e de carater tão inventivo como “Na Garganta do Diabo" – especialmente quando entram em foco as Cataratas do Iguaçu, uma obsessão do diretor e reverberação plástico-sonora, em varios planos simbolicos, do desenrolar da narrativa: sublinhamento da ação tempestuosa, o tempo que corre incessante (permanencia, fuga e morte) e contraste do claro com o sombrio dentro da mansão.
Os requintes de composição e o uso insolito de alguns objetos dentro do quadro se consiste noutra afinidade bergmaniana: muitas vezes o objeto-simbolo e não o objeto descrição - uma estirpe mallarmaica. Isso tudo, entretanto, denota um "parti-pris" formulativo de cunho pessoal que não se atém para fins de consumo, ao mero registro de influencias. Assimilação dinamica, como o provam as sequencias de espelhos e relogios em "Estranho Encontro" ou, aqui, o "flash-back" da recordação de Myrian. Este, corresponde a uma longa sequencia de feição antologica. Uma sede de fusões muito bem engendrada se desdobra a partir do close-up da moça, ao reconhecer em Ramon o assassino de seu irmão, durante o saque à propriedade pelos soldados paraguaios. As aguas do Iguaçu fazem o pano de fundo a uma curta passagem de invocação a instantes de vigorosa euforia, com o banho da jovem contrapontuando com a tomada· distante do homem à beira do penhasco. As fusões regulam o decorrer do tempo, criando efeitos plásticos de grande impacto, em paralelo com o sublinhamento musical de Gabriel Migliori. O fluxo de encanto quebra-se ao ouvir a jovem os ruídos da turba que invade a sua casa. O ritmo das ações internas acelera-se quando a camera, então, focaliza os soldados em plena rapinagem até, numa admiravel sucessão de planos, vermos o tiro que mata o homem parado no alto fazendo-o cair no turbilhão da cachoeira. Daí, uma volta rápida ao
Presente, ao "close" de Edla Van Steen.
Outra passagem excelente. que também evidencia a capacidade do diretor, se constitui na execução de Luigi Pichi pelos índios, que lhe cobrem a cara com o pano, amarram-lhe as mãos e colocam-no à beira do abismo, em situação semelhante à do irmão da moça. O condenado tateia a terra com os pés e, indo adiante, perde o equilibrio e, mediante tomada distante, igual à da primeira morte, vê-mo-lo precipitar-se de grande altura. A intenção de paralelismo parece ser nítida entre as duas sequencias, tornando-se desnecessária uma reiteração literaria (via dialogo) de sua motivação. As próprias contingencias formativas, de acordo com o "tonus" dramatico das respectivas sequencias, explicam-na e se perfazem num processo de mutua ingerencia .
Walter Hugo Khouri, num esforço extraordinario, deu-nos um dos filmes-teto em nosso cinema. Responsavel por argumento, roteiro, direção e montagem (juntamente com Mauro Alice) de "Na Garganta do Diabo" (da mesma maneira que Ingmar Bergman na maioria de suas realizações) contou. com a eficiente colaboração de Gabriel Miglior no acompanhamento musical e de Rudolf Icsey, na fotografia, que já brilhara em "Estranho Encontro".

DN, Salvador
15/05/1960

 
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