"A morte de Marilyn Monroe, acidental ou não, se configura, antes de tudo, numa denúncia. O preço, às vêzes demasiado caro, em assumir o pináculo do starsystem - uma das argamassas da poderosa indústria de entretenimento que é o cinema e que, apesar da decadência, ainda é Hollywood. Diversão, sonho, emoção, escapismo, ilusão e, no centro do foco, os mitos pré-fabricados e acionados pela máquina para o consumo do público.
Em certas ocasiões, os mitos crescem demais e se desprendem dêsse regime de produção em série, análogo ao dos enlatados. MM transcendeu a fria rotativa, não só por haver levado às últimas consequências o que estava projetado para ela, como também por ter ido além do necessário exigido pelos magnatas, isto é, tornou-se uma boa atriz. Para isso, é preciso alguma sensibilidade e, no seu caso, parece até ter sido excessiva.
A neurose, tomada como uma espécie de mal do século, reflete, na superfície, todo um processo de base: a dinheirocracia. Nesse esquema, para grande parte dos empresários e magnatas, MM apenas significava Money-Money. É verdade que a indústria se previne e incorpora a própria neurose ao mito, mas não elimina a tortura real de quem está por detrás da máscara. MM sucumbiu no auge de sua carreira, em plena maturidade do appeal físico e dos recursos de intérprete, onde a sua versatilidade deu marca inconfundível a diversos papéis e vários gêneros do espetáculo. Evolou-se no sucesso e nas contradições do vazio íntimo. Da folhinha ao cinemascope, de sensacionalismo em sensacionalismo, de crise em crise, da trepidação ao desalento, consumou um dos mais pujantes mitos da mulher no cinema. Contudo, o labirinto de luzes (o caleidoscópio do show-business) era um beco sem saída. Porque o sistema que a forjou também é''.
Correio da Manhã
07/08/1962