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Thriller & aflição

O que se denomina thriller ou filme de suspense invoca realizações cinematográficas que implicam num tipo de reação catártica muito peculiar. Tal peculiaridade provém de um complexo de efeitos e solicitações inerentes à especificidade dos elementos da linguagem da sétima arte. Essa sensação física muito característica - de expectativa e de aflição - própria ao thriller, sómente na mecânica do cinema - com os seus recursos de imagem, som e movimento - conseguiu atingir a maior amplitude daquela catarse típica.
O cinema é um meio de expressão que já nasceu no âmbito da segunda revolução industrial - com o desenvolvimento da automação. A máquina interfere diretamente na produção e na apresentação de um filme. E se requer todo um trabalho de equipe, todo um meticuloso organograma, para que seja extraído o necessário rendimento da poderosa soma de recursos materiais que está por detrás do que é focalizado numa tela.
O objetivo do bom thriller é o de forjar um clima de tensão crescente, de expectativa algo angustiosa, alimentada e arrematada mediante: os impactos do susto e da surprêsa. O ritmo minuciosamente cronometrado para o desenrolar das imagens, em função de uma dada atmosfera, amparado nos recursos da faixa sonora, e os cortes súbitos, atuando no momento asado - eis os fatôres geralmente básicos da técnica para êsse gênero inaugurado pelo cinema.
E, entre todos os chamados gêneros cinematográficos, é o mais autêntico - porque nasce de implicações puramente formativas, isto é, o argumento já vem condicionado a uma estrutura audiomotovisual. Para ficarmos no denominado "gênero por excelência", o western, ver-se-á que nesse caso, ocorre o oposto. É o próprio apelo à ação, ao clima de violência física, decorrente dos argumentos, que solicita e se coaduna perfeitamente com os maiores e mais pujantes recursos materiais do cinema, com vistas a uma dinâmica inerente
ao tema. Literariamente, ao contrário do thriller, o western já existia.

HITCH

É inegável que alguns efeitos de suspense já haviam se desfechado numa película cinematográfica antes do aparecimento de Alfred Hitchcock . Contudo, foi somente com o desenvolvimento da obra dêsse cineasta que tais efeitos tornaram-se fins em si mesmos. Levar a emoção da expectativa até quase uma sensação de vertigem, deixar o espectador colado na cadeira, tenso, constantemente prevenido contra o desconhecido - essa é, via de regra, a razão de ser de sua obra. E, aqui, um fato inobjetável: o público, indiscriminadamente, em qualquer parte do mundo, o acolhe. E também uma boa parte da crítica especializada aponta o mérito artístico em suas fitas: formulam-se fundamentos de uma estética hitchcockiana. Geralmente, os únicos a não lhe reconhecerem o devido valor são aquêles observadores que trazem permanentemente um conteúdo prévio no bôlso do colete. Porque Hitchcock não se importa com isso; nem, por outro lado, qualquer obra de arte. Hitch vê o mundo, os sêres e as coisas, através do ôlho da câmara e, nesse mesmo ato de olhar, dá o colorido pessoal de sua experiência, de sua sensibilidade. Êle não deseja, num a priori, nem a revolução, nem o conformismo, não indaga programaticamente sôbre os destinos do homem, dos sexos, das bombas, da infância abandonada etc. A sua fôrça motora é o espetáculo num sentido lato. Mas, através dêsse espetáculo, onde se interpenetram as paixões humanas, numa fabulação altamente estilizada, pode qualquer um de nós achar as indagações e respostas para muitos problemas em estado bruto, não ainda inteiramente formalizados em abstrações convencionais.

UM VETERANO VIVO

Alfred Hitchcock iniciou-se no cinema inglês, ao fim do período mudo e comêço do falado. Já, por essa época, o seu trabalho despertava o interêsse, apesar de ainda não haver se firmado como o descobridor de um nôvo gênero. Foi somente quando se mudou para Hollywood que o métodoinusitado de provocar as emoções, com a técnica do suspense, passou a inferir um sistema. E tornou-se um dos raríssimos diretores, cujo nome, ao lado de grandes astros, era, e ainda é, atração de bilheteria.
As suas acrobacias com a câmara e o modo insólito de utilizar o detalhe entusiasmam os cinéfilos do mundo inteiro. Ora, é um beijo tomado demoradamente em travelling circular e com sôbre impressões (Vertigo), ora é um revólver de suicida que se vira contra o próprio espectador (Spellbound), ora é um estrangulamento visto sob a distorção das lentes dós óculos da vítima caídos no solo (Strangers ln a Train), ou um homem que luta contra um avião no deserto (North to Northwest) ou então o assassinato brutal de uma jovem no chuveiro, com uma extraordinária fusão de seu ôlho com o ralo no solo (Psycho).
Também as histórias que filma são as mais inusitadas possíveis: um homem que, num encontro casual durante uma viagem, propõe ao interlocutor um duplo assassinato, um liquidando a vítima que interessa ao outro, a fim de que não se estabeleça o nexo de causalidade, isto é, a polícia perca a pista devido à falta de motivação (Strangers ln a Train); a entrecho macabro-humorístico de um cadáver que desaparece (The Trouble with Harry); um homem, com a prena engessada, que permanece, durante todo o filme numa janela e, com o seu binóculo acompanha a atividade dos moradores num prédio vizinho e descobre um crime (Rear Window); um jovem anormal que, trajando-se como se fôra a sua própria mãe, comete crimes alucinantes (Psycho); dois rapazes que, numa fixação deturpada do conceito de superioridade, procuram engendrar o crime perfeito e jantam sôbre o cadáver (Rope); um padre que ouve, no confissionário, a revelação de um homicídio, pelo qual um inocente será punido (I Confess).
Os filmes de Hitchcock envelhecem muito pouco; sempre que reprisados, manifestam-se resistentes à erosão do tempo. E, na sétima arte, isto é raro. O segrêdo! A alta voltagem dos efeitos, a vibratilidade das sequências, a sabedoria do ôlho. E, principalmente, o elevado sentido profissional que êle confere ao seu ofício de artista. Nada dos amadorismos inspirados. Rigor - especialização intensiva em todos os setores, desde a manicura
até o montador.
E assim como vemos James Stewart dependurado na janela, em Rear Window (A Janela Indiscreta), sabe o mestre do thriller criar o "momento supremo" - colhêr, madura, o fio de cabelo da ocasião. Porque, contra o perfeccionismo de uma lógica do óbvio, coloca a precisão de uma inventiva analógica. Em lugar da fórmula, a opção pela forma, constantemente renovada em suas feições rítmicas. Isto é arte - é cinema.

Correio da Manhã
02/10/1962

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

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Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
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O tempo e o espaço do cinema
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Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

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