É o filme-revelação de Pasolini, e é a abertura radical por êle operada, que fecha em definitivo o ciclo do antonionismo e consubstancia a fusão entre neorealismo e poesia didática. Inclusive, algo tão pouco inovado no cinema como a elaboração da fábula, passa a ganhar surprêsa e intensidade inéditas. O nôvo salvador baixa na Terra e através do ato sexual praticado com todos os representantes de uma famllia da alta burguesia (pai, filho, filha e mãe), além da criada, inocula a sua mensagem de procura constante, de renúncia, a fim de que o sêr humano ilumine-se em salvação. Perpassa também a dialética de Pasolini entre cristianismo e comunismo. Cristo não seria comunista? Certo; no sentido lato do têrmo. Só que, na Biblia, o príncipe é impotente de renúncia e não aceita dividir a sua fortuna dos pobres, motivando a célebre parábola do buraco da agulha. Aqui, num final, que é um, dos maiores gloriosos que o cinema e a imagem nos dá, o industrial, interpretado pelo veterano Massimo Girotti, entrega a fábrica aos operários, despe-se numa estação e dispara, nu, pelo deserto, no despojamento necessário para a procura e desfechando àquêle berro lancinante. Poucas vêzes chegou o cinema à capacidade dialética e fabulística proporcionadas por Teorema (título dos mais felizes). Pasolini, que já fizera aquêle admirável Evangelho Segundo São Mateus, aquêle desigual Édipo, um Accatonne rebarbativo dentro do neo-realismo e aquêle quase inóculo Gaviões e Passarinhos, deixa agora uma contribuição inesquecível, um filme sem concessão de espécie alguma, um filme que encanta, punge e faz pensar.
THE SWIMMER
Sob um titulo tôlo de Enigma de Uma Vida, Frank Perry, (diretor de David and Lisa) constrói um daqueles admiráveis solos de autocrítica de uma sociedade que só o cinema americano sabe fazer. A piscina é a odisséia ou via crucis do protagonista vivido por Burt Lancaster, que, a caminho de casa, pouco a pouco vai sendo, em crescendo intensivo, agredido e desprezado pela sociedade. O Nadador é um apêlo sôbre a volta do sêr humano às suas fontes naturais e é também o pathos do repúdio coletivo a isso. A fita não apresenta (talvez com exceção da cena onde Burt imita o cavalo) morceaux de bravure ou sequências isoladamente antológicas. Mas oferece um crescendo natural que envolve o espectador até o desfêcho desesperado com o corpo de Burt como um Rodin em movimento. Aliás, talvez fôsse Burt Lancaster o único ator capacitado à enfrentar o papel difícil, do qual se sai talvez com a sua maior interpretação: ser o animal sadio, ter 50 anos mais ou menos e, last but note least, ser um bom ator. The Swimmer deve ser candidato sério à gaivota.
Correio da Manhã
22/09/2014