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Acaso e produtividade

O modo de produção determina o modo de pensar. A frase já ficou até acadêmica, mas ainda manté a sua atualidade como instrumento de constatação. Pode também constituir antevisão da outra, de hoje, famosa - "o meio é a mensagem – ilação semântica, por homofonia, do titulo de uma das obras mais importantes de Marshal McLuhan.
Desde o período paleolítico, quando inventou o seu primeiro instrumento (meio de agir ou atuar sôbre o objeto), o homem produz. Tanto no sentido imediato, material, utilitário, como naquele especulativo, virtual, criativo, ou seja, a gratuidade essencial que cáracteriza o produto estético. De início, a produção para o próprio e rápido consumo; depois, ampliando-se largamente as fôrças de trabalho, em especial após a revolução industrial, a produção para consumo alheio, anônimo, enfim, a permuta humana de meios e objetos de consumo.
No Século XX, as organizações administrativas começaram a se preocupar com a chamada produtividade (capacidade de produzir). Isso traduz melhores lucros, menores custos operacionais, maior eficácia da coisa produzida. No princípio, essa preocupação se concretizou em estímulos materiais e psicológicos mais diretos com relação às condições de ação do produtor: melhor confôrto, assistência médica, alimentar etc.
Mas, nesta época da automação, cibernética, em suma, da segunda revolução industrial, vislumbrou-se algo de mais indireto e ambicioso, graças à invenção dos computadores eletrônicos: mensurar a produtividade de pessoas ou grupos de pessoas, em dado complexo de atividades, não apenas no tocante ao trabalho braçal, mecânico ou rotineiro, mas também em relação ao trabalho mental. Mediante tal recurso, toma-se possível conhecer as oscilações reais da produtividade e, mais ainda, quais os estímulos adequados para incrementá-la.
Em
2001: Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke, temos a maior elipse narrativa da história do cinema e da história do próprio instrumento: o primata descobre que pode operar com o ôsso arrancado do esqueleto de um animal, agita-o eufórico, lança-o ao ar e êste, num salto de milênios, já se transforma na nave espacial, ao som do Danúbio Azul. Mas, ajudando a controlá-la, cá da Terra, estão os cérebros eletrônicos, assim como, naquela que parte, em expedição a Júpiter, vai, no comando, o computador Hal (por homofonia, hell - inferno, em inglês), com o seu imenso e ubíquo ôlho eletrônico de cfclope, capaz de emoções e de um sistema nervooo análogo ao ú CS sêres humanos. Não iremos, agora, nos deter novamente nas contradições epistemológicas magistralmente levantadas no filme. Vale registrar o que o futuro nos reserva em material de mensuração… Vale também notar que o homem prevê (ou antevê) uma inteligência superior forjada por êle, mas já à margem da órbita de sua própria inteligência.
O que quisemos dizer é que Hal era autoprogramável. Mas, enquanto êle não chega, o funcionamento dos computadores está condicionado a progração humana. Ora, se a memória dos computadores já não é mais aleatória como a nossa, se tudo que lhe chega permanece mnemônicamente armazenado e se ilumina a cada solicitação referencial, ocorre, no entanto, que tal caráter aleatório pode se inserir no período da programação. O filósofo Max Bense, talvez pioneiro quanto à iniciativa, tomada há cêrca. de uma década, de medir obras de arte ou filosóficas, na base da alta, média ou baixa entropia, propiciada pela cibernética, tinha um exemplo curioso. Submeteu ao IBM um poema de Francis Ponge, consoante uma programação que atendia a t d s elementos (linguisticos, formais, semânticos etc.) contidos dentro do texto. O IBM, além do original, devolveu centenas e centenas de variantes. Ponge reconheceu que quase duzentas delas eram mais eficientes, em têrmos de informação estética, do que o seu texto. O computador "não se esquecera" de dado algum. Mas será que o poeta, ao elaborar sua obra, não teria esquecido de algum elemento, externo ao texto, cujo relacionamento com os demais, na programação, poderia conferir um efeito estético ainda mais amplo e/ou profundo do que a melhor variante? A resposta é óbvia. Mas como se diz que a arte é o imponderável.
Mas terá uma ponderabilidade precisa o trabalho humano? A preocupação com a produtividade é válida ao nível empresarial e até mesmo os órgãos governamentais chegam a ela. O Govêrno brasileiro, por exemplo, através de diplomas, como o Decreto-lei nº 200, que implantou a reforma administrativa, previu o estabelecimento de normas e critérios que sejam capazes de implicar o aumento da produtividade. Resta saber o desenvolvimento da conduta humana, diante da hipótese de mensurar o seu próprio alcance, a partir de resultados de atividades especificas, que, embora como objetos, possam traduzir espelho ou retrato dos sujeitos (agentes), permanecem como fatores extrínsecos, já desligados do estar do indivíduo.
Pode a programação elidir o máximo de erros e atingir a um mínimo de garantia de que o computador infomará a realidade (já que a verdade é impossível)? Uma quantidade, sabe-se, não é qualidade. Mas o efeito do relacionamento mútuo entre duas ou mais quantidades reflete qualidade. Mas se faltar uma dada quantidade? Quanto ao problema estético, a indagação se encerra aí, pois computou-se o máximo de quantidades conhecidas pelo homem em função da melhor qualidade. Mas, no tocante ao problema humano, vivencial, qual a certeza de se haver atingido à real qualidade em determinado setor de produção, em especial a produção intelectual? A contradição reside aí: o cérebro humano, sabe-se, ainda é mais complexo e criativo do que o computador - êste é melhor executivo, em decorrência da precisão do registro mecânico e da infalibilidade da memória.
Todas essas considerações a respeito das dificuldades e contradições ontológicas não eleminam, evidentemente, a necessidade e o seu desafio. Afinal, á tecnologia é, tôda ela, um processo, riocorrente de descobertas e redescobertas de meios. O contrôle da produtividade oferece, inclusive, elevado interêsse, não apenas na área administrativa, como também em terrenos tão entremeados, como o político, social, psíquico, ecológico, ou last but not least, a criatividade em si. Se a medida do legado humano é o seu trabalho e, êste, dentro do factível, tiver avaliação, não sômente por efeitos, mas também de precisão material e operacional a cada etapa, a própria história da humanidade poderá ser reencontrada sob diversos aspectos, bem como feita para o futuro.
O controle do acaso: grande tema de Mallarmé e outros. Permanecemos, dentro da relatividade, à mugem dêle; de um lado, o conhecimento extraempírico, reservado às divindades ou o tatear da parapsicologia - de outro, o conhecimento ultra-empírico, reservado ao progresso dos computadores. Haverá resposta? Ou a noção de que tudo é relativo já não refletirá, ela, o absoluto?

Correio da Manhã
09/07/1971

 
Wiener ou Cibernética
Correio da Manhã 12/04/1964

OP X POP uma opção duvidosa
Correio da Manhã 02/10/1965

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Correio da Manhã 31/10/1965

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Correio da Manhã 22/12/1965

Moral & Salvação
Correio da Manhã 13/01/1966

Semântica & Nacionalismo
Correio da Manhã 25/02/1966

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Correio da Manhã 19/10/1966

Coimbra: canção e tradição
Correio da Manhã 09/11/1966

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Correio da Manhã 10/05/1967

Os filhos que devem nascer
Guanabara em Revista nrº7 01/07/1967

Despir os Tabus
Correio da Manhã 12/01/1968

Ninguém ri por último nas fábulas do povo
Revista do Diner\'s 01/04/1968

Muro e Turismo
Correio da Manhã 02/08/1969

Dogma & dialética
Correio da Manhã 10/09/1969

Forma e fonte
Correio da Manhã 16/09/1969

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