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Moral & Salvação

O declínio desta estática concepção de moral, vinculada às catacterísticas convencionalizadas do que seria o chamado mundo cristão e ocidental, ainda não foi percebido por muitos grupos, capazes de atuação, mas que permanecem atrelados a várias abstrações. E, em nome das abstrações, arregimentam-se até as massas, como em algumas nações onde, na matriz das convergências moralizantes, a própria idéia de Estado substitui a de Deus, sem nenhuma diferênça no tocante a mais simples forma de raciocínio causal.
Talvez, entre tantos outros, o aspecto mais importante da obra de Marx haja sido mesmo o de - em sua sistematização político-ideológica - denunciar a falácia das grandes abstrações, dos estados de espírito, como sendo objetivos sagrados ou vocações imanentes, deslocados do espaço-tempo das contingências. E fatos tão importantes no âmbito da Física ou da Matemática, como a descoberta da Lei da Relatividade ou a Geometria Não Euclidiana, reformularam todo o sentido das especulações das teorias do conhecimento. E quando conceitos tão amplos como os denotados pelas palavras espaço ou tempo, perderam a sua significação de autonomia de uma permanência independente e absoluta, em favor da interligação mutuamente esclarecedora, o que não dizer da pobre palavra moral?
A moral de uma dada sociedade exprime a média de crenças, tendências e conduta da maioria dos seus membros. Mas esta media não é uma determinante perene, fincada
ad eternitatem, diante dos sêres humanos. Até coisas tão imediatamente materiais, como a mudança das condições climáticas de um certo local, mudam a abstrata moral de seus habitantes. Mas é também certo, por outro lado, que a moral, por seu turno, é utilizada como arma ou barreira contra algumas conquistas do humanismo, por aquêles que manipulam com os dados dessa média do comportamento de uma comunidade, sempre que sentem alguma ameaça a interêsses pessoais, sejam de caráter econômico, financeiro, administrativo, ou por mera e simplória alienação. Os mitos que a mulher representava e as transmutações progressiva de seu posicionamento social - especialmente nos meios industrializados - são um exemplo frisante do assunto. Antigamente, podia a mulher, de um modo genérico, representar aqueles mitos de pureza estática, de submissão quase litúrgica, enfim de virgindade, fragilidade e tantos outros etcs forjados pelo animus de uma grande maioria das sociedades cristãs e ocidentais. Depois, paulatinamente, com a industrialização, com a máquina substituindo gradativamente a fôrça braçal, a mulher começou a ter maior acesso ao trabalho e, em consequência, acesso à sua independência econômica pessoal e tudo vai ruindo por terra: docilidade, fragilidade, virgindade, submissão. E, como diante da realidade as exigências míticas não podem mais ser erguidas, estoura a velha moral.
Assim sendo, qualquer visão moralista dos eventos - mormente os políticos - pode levar a uma deturpação de intenções que até mesmo são lavradas em boa fé. Hoje que, no Brasil, temos um presidente deposto e um regime mudado, com inúmeras modificações numa política de ação na conduta dos negócios públicos, existem existem determinadas facções a raciocinarem num mero linha-durismo moralizante.
Acreditam - e proclamam em alto e bom som – que a crise brasileira dos últimos decênios é meramente oriunda da incompetência e da corrupção dos governantes. Pretendem o revigoramento moral da Nação com a mera substituição dos governantes improbos pelos probos. E, aqui, já começa a confusão, pois existem inúmeros tipos de probidade e, sob êsse aspecto de uma simples abstração, amarrada a determinados personagens, como um qualificativo de etiquêta, poderíamos vislumbrar o exemplo em diversos outros países mais desenvolvidos e até mais progressistas.
Querem bitolar um povo que possui a sua fenomenologia própria de comportamento, pensando que - por aí - estaria sendo sustentada a base do vôo recuperador. Mas, isso seria mutilar a nossa própria organicidade. Trata-se da mesma visão do chamado engajamento adotada por alguns círculos esquerdistas, que, às vêzes, mais parecem estar tomados por uma bitola monástica, a procura fazer uma adaptação, deslocada e de segunda mão, de soluções peculiares ocorridas em outras nações de língua e costumes extremamente diversos.
Um escritor tão atual e importante, como o alemão Hans Magnus Erzemberger, disse-nos pessoalmente que estava entusiasmado com essa espécie de anarquismo altamente civilizado que parecia reparar no tocante à conduta do povo carioca. E impressionado mesmo ao ver que - após uma campanha violenta e altamente radicalizada, pelo menos em têrmos pessoais, como a desenrolada em outubro passado na Guanabara - os eleitores de uma facção possuíam as melhores relações de amizade, um invejável estado de congraçamento, com os eleitores da facção oposta. E um filósofo tão importante, como Max Bense, que já visitou o Brasil várias vêzes e, por aqui, viajou intensamente, diz expressamente, no seu livro dedicado a esta Nação, denominado A Inteligência Brasileira: "Só uma revolução despida de caráter missionário poderia representar nesse país uma verdadeira revolução, correlata ao amoralismo da inteligência brasileira." Como se vê, ao contrário do que as correntes moralizantes de salvação nacional poderiam prever, as repercussões internacionais de uma espécie de ontologia brasileira não são assim tão negativas.
Pelo visto, esse novo exército de salvação, em lugar de salvar, pode afundar a pátria, mesmo porque existem certas renovações de ordem que podem entravar o progresso. Pois, apesar das inegáveis. inflação e corrupção (que, evidentemente, devem ser combatidas) houve um indiscutível progresso durante os quase vinte anos de
democracia razoavelmente desembaraçada. E agora?.






Correio da Manhã
13/01/1966

 
Wiener ou Cibernética
Correio da Manhã 12/04/1964

OP X POP uma opção duvidosa
Correio da Manhã 02/10/1965

Mitos políticos
Correio da Manhã 31/10/1965

Cristãos & Ocidentais
Correio da Manhã 22/12/1965

Moral & Salvação
Correio da Manhã 13/01/1966

Semântica & Nacionalismo
Correio da Manhã 25/02/1966

Ruínas de Conímbriga
Correio da Manhã 19/10/1966

Coimbra: canção e tradição
Correio da Manhã 09/11/1966

Beatnicks: protesto solitário
Correio da Manhã 10/05/1967

Os filhos que devem nascer
Guanabara em Revista nrº7 01/07/1967

Despir os Tabus
Correio da Manhã 12/01/1968

Ninguém ri por último nas fábulas do povo
Revista do Diner\'s 01/04/1968

Muro e Turismo
Correio da Manhã 02/08/1969

Dogma & dialética
Correio da Manhã 10/09/1969

Forma e fonte
Correio da Manhã 16/09/1969

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