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Cristãos & Ocidentais

Advindo do movimento vitorioso em abril do ano passado, temos aí um governo de índole moralizante que, pelo visto, procura operar uma mudança no caráter entitativo da Nação e, em decorrência, do Estado. Nesse sentido, a sua mensagem mais ampla consiste no esforço em preservar o âmbito e a escala de valores daquilo que, monótona e repetidamente; é invocado como mundo cristão e ocidental. Atendonos à convenção nominalista referente ao aspecto geográfico da questão, estarmos num mundo ocidental já constitui uma verdade absoluta, independentemente do desejo federal. Mas, por que tal preocupação em manter essa dicotomia - Ocidente x Oriente - numa espécie de Fla-Flu telúrico, quando o cosmos se abre às naves espaciais e, dentro da Terra, os meios de comunicação, com o avanço progressivo da ciência, encurtam ou evaporam as distâncias? Por que essa mania de mundo cristão & ocidental - lembrando até, pela renitência, siglas de firmas ou sociedades limitadas - quando, excluindo a Geografia, a semântica, aplicada à realidade, não denota os signos desta última? Não seria só o pretexto do combate ao comunismo, pois tal regime já tem suas variantes implantadas no Ocidente e, até, neste Continente. E por que mundo apenas cristão, se - com a máquina, com o transformismo dos costumes e de uma razão ética - o que se nota é uma modalidade de neopaganização crescente? Evidente que o cristianismo legou instituições, por enquanto, inarredáveis, mas que entram em dialética, no processo formativo da nova civilização, com as últimas conquistas do humanismo, seja através da ciência, da arte, do mito ou da filosofia. Não podemos dizer, por exemplo, que os Beatles sejam cristãos, mas já foram condecorados pela Rainha da Inglaterra (aqui, o sr. Suplicy os trancafiaria e, gloriosamente, cortar-lhes-ia os cabelos). Enfim, nem êste mundo cristão e ocidental, que fabricou Hitler e os campos de concentração, os preconceitos raciais ou a superconcentração da propriedade, que vê famílias não só rezarem unidas, mas também roubarem unidas, pode proclamar a sua coesão pacifista. Pois, países deste mundo cristão e ocidental ainda exploram colônias no Oriente, cujos habitantes morrem de fome, a fim de que o capital aqui chegue. E a recíproca é praticamente nula. Portanto, preservar o nome corresponde a uma atitude meramente exteriorizante.
Mas, ainda dentro do nominalismo, inaugurou-se uma política externa interdependente, com vistas a manter a unidade de bloco e, especialmerite, do Continente Americano. Assim, se existe a autonomia administrativa interna, já no plano do nosso comportamento externo, ela se sacrifica em nome da coesão, da ideologia, do bloco, do continente, do Ocidente, de Cristo, enfim, dos Estados Unidos. Porém em contraposição com a decadência estrutural da velha tradição européia, de uma civilização que fundou essa mesma tradição mediante o artesanato, não será justamente os Estados Unidos o país de tendência e formulações vivenciais mais pagãs do Ocidente, face ao seu poderio industrial e à filosofia do consumo e superconsumo rapidíssimos e em massa, que significa - em lugar da atitude contemplativa ou do lazer caracteristicamente burguês - viver o presente por todos que possam vivê-los? Será cristão o mito do
selfmade man? Ao contrário isto só pode vigorar num mundo de permanente competição, de diferenças brutais de níveis de vida e de capital e trabalho desviados do emprego nas atividades de produção essenciais para a coletividade. Assim, qual a razão dessa interdependência? Seria mais honesto reconhecer que - entre duas opções - para que possa realizar em paz os seus ideais de reforma interna, o governo resolveu entregar a independência numa bandeja - embora a atuação interna não possa se desligar de um entrosamento forçoso com a externa.
Enfim - abafada a personalidade externa (e, por isso, entre outras coisas, já enviamos tropas à República Dominicana) – pratica-se, aqui dentro, a politica econômico-financeira, o combate à inflação, a contenção de despesas, sem que os comunistas e meia-dúzia de franco-atiradores perturbem o trabalho orientado estruturalmente pelo Ministério do Planejamento. Todavia, se essa tentativa de mudar o caráter de uma nação continua meramente nominalista ou pretextual, o Estado foi efetivamente transformado. Ganhou uma estrutura militar, temos a ditadura híbrida ou a democracia controlada, com o direito de opinião ainda pouco violentado, mas o direito de participação na vida política praticamente restrigindo a militares, representantes das classes conservadoras e uma minoria progressista, por ora salva do incêndio institucional. O governo
quer a austeridade e a sua capa convencional, a sisudez. A política e as leis são feitas por cúpulas sisudas, apesar da intromissão de alguns festivos de fatiota grave.
O governo parece ter ou querer ter boas intenções no combate aos mitos políticos, isto é, o appeal irracional ao comportamento do povo diante do fato político. Sabe que a demagogia e o tonus carnavalesco da conduta eleitoreira de muitos políticos desorientam o povo. Não quer mais a repetição de fenômenos tipo Jânio Quadros, Leonel Brizola ou Cados Lacerda, sem falar no sr. Getúlio Vargas, o maior mito político brasileiro. Mas, então, acontece uma coisa curiosa: o povo fica sem candidatos, sem representantes escolhidos por si, porque a tendência mítica não pode ser abafada de cima para baixo, como ocorre. Ela diminuirá na medida em que a própria sociedade brasileira se reorganizar, de baixo para cima, com uma representatividade política progressivamente autêntica (e, não, isso que ai está, com um Cogresso; por exemplo, prorrogável ou autoprorrogável, um Congresso desigual em sua própria estrutura de composição - tudo isso sem falar nas Assembléias e nas inefáveis Câmaras de Vereadores), com menor desigualdade social e, em suma, tudo aquilo que tenda para a liberdade essencial, isto é, o máximo de responsabilidade de cada indivíduo, que, por sua vez, só nasce da plena liberdade vivencial. Ao passo que a tendência para uma razão democrática evolui, a tendência para o irracionalismo simbológico do mito involui. Mas este fluxo e refluxo, dadas as condições básicas, opera-se fenomenologicamente e, jamais, ao ritmo de ordem unida. Diante dos estômagos vazios, esvaziar também as cabeças, a trôco de fórmulas moralizantes ou puramente estatísticas, exibidas por cima do fôsso que separa as cúpulas da massa, é fazer com que o tiro institucional saia pela culatra. E tudo em nome do mundo cristão e ocidentais os responsáveis pelas fórmulas? Não; no máximo serão, por·enquanto o que Sartre denomina de cartesianos do absurdo.


Correio da Manhã
22/12/1965

 
Wiener ou Cibernética
Correio da Manhã 12/04/1964

OP X POP uma opção duvidosa
Correio da Manhã 02/10/1965

Mitos políticos
Correio da Manhã 31/10/1965

Cristãos & Ocidentais
Correio da Manhã 22/12/1965

Moral & Salvação
Correio da Manhã 13/01/1966

Semântica & Nacionalismo
Correio da Manhã 25/02/1966

Ruínas de Conímbriga
Correio da Manhã 19/10/1966

Coimbra: canção e tradição
Correio da Manhã 09/11/1966

Beatnicks: protesto solitário
Correio da Manhã 10/05/1967

Os filhos que devem nascer
Guanabara em Revista nrº7 01/07/1967

Despir os Tabus
Correio da Manhã 12/01/1968

Ninguém ri por último nas fábulas do povo
Revista do Diner\'s 01/04/1968

Muro e Turismo
Correio da Manhã 02/08/1969

Dogma & dialética
Correio da Manhã 10/09/1969

Forma e fonte
Correio da Manhã 16/09/1969

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