Na segunda revolução industrial, o avanço galopante das descobertas científicas, impulsionando consequentemente a ampliação e o aprimoramento da técnica, parecia decretar o fim das formas de conhecimento não-racionais. Mesmo porque, discernindo-se em tudo um problema de linguagem, esta última encaminhava-se para a abstração em diversos setores até a arte.
Começou a se verificar, no entanto, um fenômeno oposto: o apêlo místico e mítico impele o comportamento não só em certas práticas isoladas, mas de grupo ou coletividades inteiras. Várias raízes poderiam ser atribuídas ao fato. De um lado, as contradições da própria parafernália. O universo científico, tão poderoso que é, forja aquilo passível de ser denominado como perplexidade do instrumento ou o mêdo do Criador diante da criatura que se avantaria inesperadamente diante Dêle. Exemplo disto é, logo, a ameaça contingente das bombas que descerrariam o fim da humanidade, caso acionadas. De outro lado surgem as próprias perspectivas paradoxais do conhecimento do desconhecido, ou seja, a abertura para campos inexplorados e que só emergiram com o próprio progresso da física, da química, da astronáutica etc.
Mas tudo isso seria inócuo se observado um critério de meditação filosófica sôbre os limites do racionalismo. Por isso, também, um pensador como Cassirer, em An Essay on Man, ao definir o homem, não como um animal racional, mas como um animal simbólico, quis dizer muito mais da capacidade humana além dos limites prescritos na primeira definição. O racionalismo não será jamais a meta final do que se compreende como conhecimento, é apenas meio instrumento. No momento em que eu sei que as áreas do conhecimento material não se cingem ao globo terrestre, sequer ao sistema solar, ser-me-á impossível aceitar qualquer quadro definitivo que controle a probabilidade dos fenômenos. Posso até controlar o acaso numa área restringida pelo conhecimento já estratificado. Mas aí está o caráter artificial do racionalismo sob o ponto de vista filosófico. Leva ao dogma. Tanto os dogmas ultrasabidos da religião como aquêles do materialismo ortodoxo, que, assim, fica sendo êle próprio estruturalmente, uma religião. Uma obra cinematográfica tão monumental, como 2001: Uma Odisséia no Espaço de Stanley Kubrick, evidencia tudo isso, através do encadeamento epistemológico que chega ao choque cultural. O choque cultural pode ser definido assim: um salto tão súbito de conhecimento que desalicerça a razão básica e vital, inclusive os meios utilizados pelo homem para estr em seu ambiente.
Então pode-se procurar localizar, ao nível lingilístico, em têrmos de teoria da informação, o papel do racionalismo. É o mínimo necessário de redundância que, em qualquer contexto de mensagem, facilita o acesso à originalidade nela inscrita. Qualquer informação nova, sem o aparato da redundância envolvendo sua transmissão, importa, com maior ou menor pêso, em choque cultural.
Mais ainda no plano da própria atividade, científica. Impressionado com a avalanche de fenômenos o homem, na segunda revolução industrial, passou a utilizar de um instrumental indutivo (e não mais dedutivo) como recurso empático imediato para a apropriação deles em determinados terrenos. Então a parapsicologia, por exemplo a preocupação da parte do homem de ciência com o conhecimento paranormal, não mais como exorcismo místico, porém como forma intencional de conhecimento. E essa conciliação entre métodos racionais e intencionalmente não-racionalistas que marca a última etapa epistemológica do século.
Correio da Manhã
16/09/1969