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OP X POP uma opção duvidosa

Quando Mr. Alfred Barr Jr. estêve aqui no Brasil, durante a Bienal de 1957, ao observar os trabalhos dos concretistas brasileiros, assim se manifestou: "Bauhaus exercises" - enfático, distante, imperturbável. Hoje, o mercado norte-americano começa a se abarrotar da chamada op-art. E o que é a op-art (uma espécie de contrapartida sonora à pop-art)? São os mesmos Bauhaus exercises, sob a inspiração mais longínqua da ambivalência especial proposta por Albers (antes de haver iniciado as suas instigantes experiências com a côr, segundo a técnica de desdobramentos de quadrados dentro de um quadrado, que teria como ponto de partida o quadrado da própria moldura) e, depois, sob o comando direto das produções de Vasarely. Este, de início, o inaugurador da sigla plástica cinética, fartamente lançada e documentada – há uns sete ou oito anos atrás – no número 3 da revista Quadrum.
Não importa, no caso, saber das adesões, reações ou decepções. Pode ser uma simples permuta de mercado. Quando o informal, o tachismo, a pintura gesticular (cuja demonstração mais furiosa foi a de Mathieu), o caligrafismo oriental ou occidental - expressionista estavam ululando no auge, caiu – de-repente - o pano sôbre mais um ato das fases da pintura; ou da moda ou do mercado. E abriu-se a querela op x pop, até certo ponto artificial.
Este debate não é inédito na experiência brasileira. Depois da arrancada do Grupo Frente, os artistas plásticos concretos de São Paulo tentaram formular o movimento virtual, mediante o processo de seriação de formas geométricas. As experiências foram inúmeras, na pintura, no desenho, na escultura (Cordeiro, Charoux, Sacilloto, Weissman, Fiaminghi e outros). Logo a seguir, Lígia Clark, aqui no Rio, abandonando o problema da seriação de formas, conduziu aquêle problema típico de Albers - da ambivalência espacial – até o rompimento da moldura, fazendo com que o virtualismo cinético respirasse além e fora do quadro. O ciclo estava lógicamente fechado e cada grupo ou cada artista, individualmente, procurava outros caminhos, novas formulações - tudo isso já enquadrado na crise da própria arte. Alguns concretos, voltando a se inspirar em Max Bill (que, antes, já havia proporcionado a rota com a tese da matemática das formas) se agarraram às constantes da última fase do mestre suiço: a modulação de intensidades cromáticas. Ligia Clark _ingressou na escultura e fêz essa ambivalência condicionar-se à manipulação de seus bichos pelos espectadores, que, assim, participavam da criação de formas. Veio, ao mesmo tempo, o não-objeto e o inflar de primitivos - alguns autênticos (e há a grande linhagem de Djanira), outros, não mais loucos nem crianças, porém intelectuais de gabinete. De súbito, a pop-art - aquêle protesto social, ou desvario no vazio.
Ora, se a op não é mais do que a Bauhaus reinaugurada (sem falar nos problemas erguidos pelo grande Mondrian) ou Van Doesburg, ou os suprematistas russos, os construtivistas, ou Delaunay, ou Sophie Tauber-Arp), a pop não é mais também do que o dadá revisitado. Embora a abertura dadá, ampla, mesmo à la diable, fôsse, pela época, mais radical em têrmos estruturais. Se formos invocar a excepcional visada propiciada por Walter Benjamin sôbre os problemas da obra de arte e seus critérios de reprodução, veremos que a pop-art encerra uma contradição essencial. Para WB essas técnicas de reproduzir constituem o próprio fundamento do ser da obra nos tempos modernos e, por isso, o cinema avultaria entre todos os meios de expressão. E qual o processo artesanal (e no artesanato já vai uma contradição na sinonímia de pop e mass-comunication) dos que trabalham sob tal sigla? Em primeiro lugar, o falso anticulto daquilo que Benjamin considerava superado: a aura do objeto. Hoje, só é válido esteticamente o que é reproduzível em massa. A matriz por si só se consiste num mero programa, análogo ao programa dos que fazem poesia com os computadores eletrônicos – caso do professor Max Bense em Stuttgart (a poesia como uma atividade de programista de texto, com a execução dêste último entregue à máquina). Os pop destroem, inutilizam e/ou mesclam materiais em bruto e objeto úteis ou hedonísticos (cadeiras enterradas em espelhos, bicicletas retorcidas, fragmentos de jornais, lixo, pedaços de roupa, sapatos, jarros, velas, etc.) e procuram - através da justaposição ou interpenetração entre êsses materiais e/ ou objetos - forjar relações sensíveis entre êles, impregnadas de significado analógico. É uma arte (?) densamente semântica. Não existe nenhuma intenção de harmonia e elide a permeação do pincel (que poderia pintar isto numa tela) para lançar as antiesculturas em bruto. A questão é que - além dos desperdícios de inúmeros objetos úteis, certamente fora do alcance das classes mais pobres (cadeiras, mesas, bicicletas, etc.) - estamos diante do objeto uno e irreproduzível. Um objeto que só pode e deve ser exposto em galerias e que se esgota com a mensagem, isto é; com o descerrar da própria semântica.
Não se adornam tantas residências com pops, como são adornadas com pinturas, gravuras, desenhos, fotos ou esculturas. Não se integram com a mesma permanência nos complexos decorativo-arquitetônicos – como parece ser o destino dos quadros ou telas ou pequenas esculturas - ou nos complexos ambiental-paisagísticos, como parece ser o destino das esculturas grandiosas. Assim, se o objeto pop traduz uma coisa que desmente o seu culto, a sua aura, ao mesmo tempo cai numa contradição hedonística, voluptuária, por maior que seja a autenticidade de um espírito de revolta ou de inconformismo de quem o forjou. É o antibelo e - ao mesmo tempo - a sua capacidade de comunicação limita-se à conjuntura estàtica de um espaço real. Até porque - reproduzido - transforma-se em quadro: ironia das ironias.
A op-art é um retôrno racionalista à aura. Mas pode ser uma aura falsa. O mundo está inundado de fotografias, cartazes, anúncios e produtos do desenho industrial. E, nisso, oscilamos entre o orgânico ou o inorgânico das estruturas, o geométrico ou o informal. Quantas marcas de produtos médicos, de perfumes ou lingerie não superam as "invenções audaciosas" da op-art? Enquanto alguns artistas trabalham para essa obra isolada, milhões de técnicos difundem despretensiosamente milhões de objetos análogos, universo afora. A informação estética é igual.
Daí também o tertius optativo do neofiguratlvismo. Mas a recíproca é idêntica. A máquina fotográfica ou com as equipes gráficas difundem maciçamente as figurações impressionistas, realistas, expressionistas, surrealistas. Assim, o artesanato talvez apenas encontre sua larga saída nos murais, nos painéis - de igrejas, lojas, bancos, etc. - mas, até nisso, cairá na verdade da pintura de cavalete ou da escultura (seja de volume, ou modulando o espaço): um elemento da integração arquitetônica.
A revolução indusrial, paulatinamente, foi liquidando o culto do objeto - da coisa puramente em si, voluptuária. A ascendência é dos objetos úteis (corporais ou residenciais) que, inclusive, na medida em que se reconhece qual o verdadeiro processo das formas, vão ganhando novos foros de requinte, uma procura mais rigorosa e inventiva de estilização. Suprir a superfície com o belo hedonístico, pois, estruturalmente, a beleza do objeto isolado é, cada vez mais, a sua funcionalidade. A própria facilidade com que - atualmente - se falsificam as obras de arte já denuncia a alienacão do artesanato como um fim em si mesmo. Pois, á obra em reprodução, desconhece tal contingência.

Correio da Manhã
02/10/1965

 
Wiener ou Cibernética
Correio da Manhã 12/04/1964

OP X POP uma opção duvidosa
Correio da Manhã 02/10/1965

Mitos políticos
Correio da Manhã 31/10/1965

Cristãos & Ocidentais
Correio da Manhã 22/12/1965

Moral & Salvação
Correio da Manhã 13/01/1966

Semântica & Nacionalismo
Correio da Manhã 25/02/1966

Ruínas de Conímbriga
Correio da Manhã 19/10/1966

Coimbra: canção e tradição
Correio da Manhã 09/11/1966

Beatnicks: protesto solitário
Correio da Manhã 10/05/1967

Os filhos que devem nascer
Guanabara em Revista nrº7 01/07/1967

Despir os Tabus
Correio da Manhã 12/01/1968

Ninguém ri por último nas fábulas do povo
Revista do Diner\'s 01/04/1968

Muro e Turismo
Correio da Manhã 02/08/1969

Dogma & dialética
Correio da Manhã 10/09/1969

Forma e fonte
Correio da Manhã 16/09/1969

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