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Semântica & Nacionalismo

O conceito de nacionalismo é, através dos tempos, uma das coisas mais variáveis. Quando, ainda hoje, emite-se esta palavra – nacionalismo – são inúmeras as ilações que se podem extrair, conforme a época, o regime, a língua, a estrutura do Estado, as contingências sociais e diversos outros dados. É só olharmos retrospectivamente para os eventos históricos deste século, para os personagens de proa. Hitler era nacionalista. Mussolini também o era, assim como Perón ou Batista.
Nacionalismo pode ser um rótulo de engajamento para determinadas campanhas ideológicas, assim como também pode traduzir um rótulo de empulhamento de determinadas técnicas de grupos assumirem o poder em benefício dos interesses econômicos pessoais. O problema se resume na capacidade de fazer com que a repetição da palavra - a qualquer pretexto - funcione catarticamente dentro das grandes crises ou das grandes campanhas. Enfim, por motivos táticos ou doutrinários, o
appeal à nacionalidade é usado por políticos de governo ou de oposição, de formação democrática ou de formação totalitária.
No Brasil, a especificidade contingencial que gerou a intensificação no emprego do termo, passando a ser sujeito sistemático das orações principais dos discursos dos oradores políticos - seja na tribuna, nos comícios ou por escrito - foi a constatação, ampliada no após guerra, da necessidade de nossa libertação econômica dos interesses de grupos de potências estrangeiras, como condição sine qua non para o processamento do desenvolvimento interno e consequente melhoria de nível das camadas sociais. A partir de 1945, as ideias em ação e circulação começaram, pouco a pouco, a criar na mentalidade do povo - principalmente as gerações mais novas – a urgência em dar continuidade àquilo que D. Pedro I e, depois, Deodoro haviam consumado e já estava consagrado nos livros de História do Brasil. Principiava-se a ouvir com desconfiança termos como boa vizinhança, pan-americanismo ou Doutrina Monroe, que de superada como ficara, passou a ser encarada como América para os americanos do norte. Então, a luta de interesses em jogo iniciou o desenvolvimento do campo semântico da questão. As facções ou grupos ou classes contrárias à propagação da idéia, tentaram identificar, junto à opinião pública, o nacionalismo com o comunismo – o que consistia uma inversão das premissas, pois se a maioria dos comunistas era nacionalista, face a uma estratégia de conquista paulatina do terreno (com exceção de uma minoria, que utilizava e utiliza ainda a tática do "quanto pior, melhor”), a imensa maioria dos nacionalistas não professava aquela posição de extrema. Em contraposição, as lideranças do nacionalismo procuravam identificá-lo com o patriotismo.
Certamente, no terreno concreto, no âmbito econômico, a primeira vitória marcante da tendência nacionalista foi a instituição do monopólio estatal do petróleo. E a Petrobrás, apesar das sabotagens, apesar da falácia de alguns de seus administradores, tidos inclusive como nacionalistas ferrenhos, tornando-se rapidamente uma das maiores empresas da América Latina, consolidou a vitória. Resultado da consolidação antigamente, quem exclamava “o petróleo é nosso”, estava na iminência de ser considerado comunista fanático (não importando, aqui, saber se foram os próprios comunistas que lançaram o slogan); hoje, ocorre o oposto – os políticos que são inimigos da Petrobrás são obrigados a fingirem que não o são a fim de tentarem por em prática as suas manobras para liquidá-Ia ou prejudicá-la.
Com o êxito da filosofia do nacionalismo, a luta pelo poder passou a atrair o interesse pelo seu perfilhamento, não só da parte de quem possuía concepções econômicas ou enfoques sociais bem definidos, mas pelos políticos oportunistas e até pelos conservadores. O biombo, evidentemente, era bastante largo: serviu para uma farta demagogia e fartos negócios e negociatas. Daí, veio mais um desdobramento no campo semântico: surgiram as aspas, colocadas sôbre o têrmo, a fim de caracterizar aqueles que se diziam nacionalistas por mero carreirismo ou ainda para disfarçar o seu comunismo. Em decorrência, adveio uma complementacão à palavra, aparecendo a expressão nacionalista autêntico, usada pelas pessoas a fim de se descaracterizarem dos ismos pejorativos. E a confusão ficou integral, pois nacionalistas eram todos que pediam o voto das massas ou pretendiam falar em seu nome: nacionalistas, ou "nacionalistas'' ou nacionalistas autênticos. E, na última campanha eleitoral que tivemos para a Presidência da República, os dois candidatos principais, o sr. Jânio Quadros e o marechal Lott apresentavam-se como nacionalistas, embora o primeiro fosse acusado de entreguista, e, o segundo, era sabidamente de um anticomunismo monilítico. Aliás, neste ponto, setores de esquerda iludiram-se com o marechal ao interpretarem, face ao 11 de novembro, a sua atitude lógica; diante da leitura da Constituição é dos regulamentos militares, como uma postura ideológica.
As coisas, entretanto não pararam por aí. Na época do sr. João Goulart, além das variantes acima citadas, já começava a se falar em outras duas espécies de nacionalismo: o nacionalismo verde-amarelista e nacionalismo bitolado. E, depois de 31 de março, o empilhamento das perplexidades populares chegou ao auge, quando o sr. Carlos Lacerda, tido como o inimigo número um do nacionalismo, aparece em campo como líder da mesma corrente acusando a política econômico-financeira do Govêrno do marechal Castelo Branco de submissa aos interesses dos grupos internacionais. E alguns dos promotores da candidatura: do ministro da Guerra à Presidência da República, pelas eleições indiretas, procuram também identificá-lo com essa corrente, embora o atual chefe do Executivo esteja tentando aconselhar o general Costa e Silva a perfilhar a continuidade da política do sr. Roberto Campos.
Não é preciso lembrar o quanto o jargão nacionalismo, nestes últimos anos, prejudicou o verdadeiro objetivo com que foi lançado, numa funcão catártico-catalizadora da opinião pública: a libertação econômica do Brasil, dentro do aperfeiçoamento do regime democrático desejado pela maioria. Se houve um incremento enorme das indústrias de base (este o maior entre os saldos concretos), à sombra do nacionalismo, diversas vocações não só antinacionais, mas, mesmo, anti-sociais, proliferaram. No distúrbio das deturpações, onde nem sempre a intuição dos eleitores podia deslindar o quebra-cabeças que traduzia esse baile de mascaras dançado pelos políticos, chegou-se ao caos das finanças, que, sem terem a importância estrutural da economia, serviram de excelente leit-motiv para inverter algumas tomadas de posição básicas obtidas pelo País, momento a maioridade de uma política externa que, agora, retornou à minoridade da chamada interdependência.
As lições, às vezes; podem ser aprendidas; a experência sempre ensina. O irracionalismo, em política, pode levar aos trâmites emocionais dê obediência às palavras mágicas, em vez da fixação racional-funcinal da dialética dos objetivos concretos. Pois o nacionalismo apenas nominal, enquanto vitorioso, criou até os campos de concentração. No Brasil, deu com os burros n`água. E, por enquanto, estamos afundando; junto com eles.

Correio da Manhã
25/02/1966

 
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Forma e fonte
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