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Quem tem medo de Playboy?

Parece que depois de Mao, foi a vez do Brasil fazer a sua revolução cultural. Ela acaba de começar no dia que proibiram a revista Playboy e mais 45 congêneres de circular por estas bandas.

Aliás mesmo a risco de cair (como caiu) no anedotário nacional e internacional, toda medida de tal natureza tem de nos anunciar o horizonte da estaca zero. E, não há dúvida de que o ato desfechou vários tipos de catarse: desde as gozações irrefreáveis das elites intelectuais até a reação pavloviana do presidente da Federacão Gaúcha de Futebol, que suspendeu toda a rodada de domingo passado, ao saber que haviam sido publicadas, num jornal, as fotos de um jogador, nu, dentro do vestiário.
São as afinidades eletivas. Na China, há o livrinho de Mao; aqui, na falta de líderes messiânicos, estamos fabricando moral. Mas se o problema não era de fazer revolução cultural e apenas ''moral", vamos, aqui, explicar aos menos avisados (e, entre eles, certamente, os próprios censores) o que é, por exemplo, a revista Playboy. É, talvez, a mais bem feita e, também, uma das de maior tiragem existentes. Circula em quase todas as partes do globo terrestre, enquanto, no Brasil, vai passar a circular clandestinamente (porque os censores pensam que vida sexual é clandestinidade, quando não - trata-se daquilo que se entende por privacy).
Deus criou os seres humanos nus. Quando surgiu a invenção da roupa, isto não se deu em decorrência de algum recado divino. A roupa não nasceu de qualquer imposição de ordem moral e, sim, da necessidade (frio, poeira, insetos etc.) e, como ninguém ignora, a necessidade é neutra, é amoral. A moral só veio depois, não naturalmente, como a necessidade, mas artificiosamente. Decorrências de interesses de caráter individual (as formas primitivas de casamento, ou seja propriedade sexual privada), social, econômico, a elaborar os costumes. Veja-se, por exemplo, o interesse das fábricas de tecidos - quanto mais roupa, melhor. O terno, a casaca - solenitas; e algo de mais artificial do que a solenidade? De qualquer modo, a roupa encapa o comportamento da grande maioria das civilizações e é parte integrante do que se compreende por costumes. Daí, a moral (convenção). As pessoas evitam despir-se em público, não por causa de implicações éticas (não roubar, não trair etc.), mas por causa da pressão dos costumes.
Porém, o corpo é eterno. Por isso, desde as mais priscas eras os artistas (nisto incluídos, agora, os fotógrafos) se dedicaram a ele, como tema. Mesmo por que não existe roupa bonita que seja mais bela do que um corpo bonito. E cada corpo bonito desvenda uma surpresa formal. E quem proíbe as gravuras eroticas de Picasso (dizem que ele morreu ao saber do fato) não entende isto. E quem proíbe os nus de Playboy, em geral, não entende isto. E que seria de Florença com a nossa: censura federal?
Mas Playboy não é apenas erotismo com requintes plásticos e fotográficos. É uma das maiores contribuições permanentes para o universo cultural, seja sob o aspecto verbal ou sob o visual (publicidade, charges, desenhos, diagramação). Encontrou, como colaboradores, nomes históricos, tais como Robert Graves, Jean Paul Sartre, Arthur C. Clarke, Norman Mailer, Lawrence Durrell, Ray Bradbury, Jules Feiffer, Heinrich Boll. Vladimir Nabokov, Kenneth Tyana. E, em grande número, políticos, estadistas, professores, historiadores não se sentiram envergonhados de lá pousarem, verbal e fotograficamente, para aquelas longas entrevistas mensais. Vamos só dar alguns nomes para ilustrar: Princesa Grace de Mônaco (Grace Kelly), Ralph Nader (o líder, nos EUA, da defesa do consumidor), Arthur Schlesinger Jr., Johon Kennetth Galbraith, Arnold Toynbee, Samuel I. Hayakawa (um dos grandes especialistas em linguistica, com um dos livros, no Brasil, publicado na tradução do ex-presidente Jânio Quadros), o prefeito de Nova York, John V. Lindsay, Marshall McLuhan, ou senadores, como William Fullbrigh, Eugene McCarthy, Frank Church e Charles Percy. Basta parar por aí.
Isto se chama civilização. Nenhuma dessas personalidades tem medo de Playboy. Quem tem medo de Playboy?

Correio da Manhã
30/04/1973

 
Wiener ou Cibernética
Correio da Manhã 12/04/1964

OP X POP uma opção duvidosa
Correio da Manhã 02/10/1965

Mitos políticos
Correio da Manhã 31/10/1965

Cristãos & Ocidentais
Correio da Manhã 22/12/1965

Moral & Salvação
Correio da Manhã 13/01/1966

Semântica & Nacionalismo
Correio da Manhã 25/02/1966

Ruínas de Conímbriga
Correio da Manhã 19/10/1966

Coimbra: canção e tradição
Correio da Manhã 09/11/1966

Beatnicks: protesto solitário
Correio da Manhã 10/05/1967

Os filhos que devem nascer
Guanabara em Revista nrº7 01/07/1967

Despir os Tabus
Correio da Manhã 12/01/1968

Ninguém ri por último nas fábulas do povo
Revista do Diner\'s 01/04/1968

Muro e Turismo
Correio da Manhã 02/08/1969

Dogma & dialética
Correio da Manhã 10/09/1969

Forma e fonte
Correio da Manhã 16/09/1969

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