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Nos tempos de Didi e Saldanha

Lembranças de uma época romântica do futebol carioca, entre tacos de sinuca e mesas de bar

Futebol: a bola simbólica. Um chute - emoção; o gol: o sonho. A bola vai e vem, batida de bico, de peito do pé, de trivela, de calcanhar, de lado, de sola, de letra, com efeito, rasteira, alta, à meia-altura. E havia a "folha seca" do mestre Didi: descia leve, implacável, rumo às redes do goleiro impotente.
Didi, além do futebol, também era um estilista do taco. Mulato escuro, magro, pinta de malandro filósofo e fino, pouca fala, um dos criadores da moda da calça "boquinha" - aquela que afina no tornozelo.
Uma tarde, eu, ele e Castilho, o grande goleiro, o homem da "leiteria" (porque também tinha sorte), jogávamos partidas de 31 - um jogo no qual as bolas são númeradas, e cada parceiro tem de encaçapar aquelas cuja somas dos respectivos números e o da pedra que guarda no bolso perfaça 31. Apesar da ciência e sapiência, Didi estava de azar e perdeu uma grana para mim. Aplicou-me um espeto e eu, como ele o faria, topei sem estrilar.
Dias depois, entro no clube; ele está parado, na porta da barbearia, me vê e diz: " Olha aqui o teu dinheiro". Penso comigo: ''Classe é classe; o grande jogador, em geral, é sempre civilizado". Alguns anos mais tarde, Didi começaria a sua trajetória de bicampeão mundial.

Telê

No final da década de 1940, Telê era o centroavante do time de juvenis do Fluminense. Num domingo pela manhã, da pista de atletismo que contorna o gramado do Flu, eu e João Coelho Neto, o legendário Preguinho (filho doescritor) - grande craque e goleador do passado -, assistíamos a uma partida de campeonato. Não me lembro qual o time adversário, mas me lembro de Telê - esguio, estilista, habilidoso, com aromas de um belo futuro - levando, passando, chutando a bola com classe. Preguinho gesticulava, gritava instruções para ele, imperturbável, e outros atacantes, como se fosse o técnico. Em dado momento, uma bola prensada sai pela linha de fundo do inimigo. Prego, altaneiro, olha para o juiz e aponta ' para a bandeirinha de corner. Dono do time e do apito.
Mas, pouco tempo depois, Telê, já profissional, viria a ser um dos personagens-chave de Zezé Moreira, quando, como técnico do Flu, instituiu a marcação por zona e deu o tiro de misericórdia no sistema da diagonal, com a marcação homem a homem. Telê passou a atuar como ponta-direita recuado, numa surpresa tática que deu certo. E, embora empilhando vitórias sofridas, o time foi campeão carioca, com o diretor de futebol, Benício Ferreira Filho, a comemorar bebendo champanhe dentro da chuteira suada e quente do goleador Carlyle.

Locutores

Antigamente, sem TV, quem ficava em casa, ouvindo o jogo pelo rádio, era candidato ao infarto. Quando o locutor berrava chuta!!!, a pressão arterial ia à lua e o coração parecia subir até a boca. Muitas vezes, era um mero chute mascado que, anos depois, a frieza da imagem emasculava. O grito de "gol!!!" durava mais do que os 14 segundos do agudo de Erna Sack, na valsa "Vozes da Primavera", de Strauss. I
Nos anos 40, aqui no Rio de Janeiro, tínhamos o trio principal de locutores: Gagliano Neto, Ary Barroso e Oduvaldo Cozzi. O meu preferido era Cozzi – isento, preciso e com uma voz que, às vezes, lembrava aquela do seu contemporâneo, Teófilo de Vasconcellos, "o pássaro de cristal", locutor oficial do Jóquei Clube. Ary - o nosso grande compositor - com sua gaitinha, era muito divertido, porém demasiado sectário ao se tratar do seu Flamengo.
Certo dia, no entanto, Cozzi teve de engolir o grito fatal. Jogo decisivo do campeonato reunia Fla e Vasco no campo da Gávea. Nos últimos minutos, um centro sobre a área do Vasco, sobe o atacante Valido e, em vez de gol, sentencia: "Invadido o campo". Acaba a peleja antes do tempo. Com o campo tomado pelos torcedores, o juiz nem se dera ao trabalho de indagar ao bandeirinha se Valido, autor do gol, subira ou não pelas costas de Argemiro, seu marcador. Fim de papo.

Miguel Lemos

Havia a churrascaria Parque Recreio. Durante muitos anos, era ponto de encontro obrigatório após os jogos do Maracanã, principalmente à noite. Várias mesas, vários debates. Na que eu frequentava, figuravam o jornalista Francisco Pedro do Couto, os locutores Mauro Pinheiro, Waldyr Amaral e Sérgio Paiva, o comentarista Benjamin Wright da Silva (pai do juiz José Roberto Wright), o diretor do Flamengo, Fadel Fadel; às vezes, chegava João
Havelange, na época jogador de water-polo pelo Flu. Numa das mesas do outro lado já pontificava Armando Nogueira, então como jornalista do “Diário Carioca''.
Havia também, aqui no Rio, a banca de jornal na esquina da avenida Rio Branco e rua Sete de Setembro. Todo mundo ali parava a fim de discutir futebol - deixavam-se pastat, embrulhos, guardas-chuvas por cima de jornais e revistas para aderir ao vozerio, especialmente nas segundas e sextas-feiras.
Mas, durante muitos anos, a grande tribuna ao ar livre foi a famosa esquina da Rua Miguel Lemos, ao lado da Copacabana. Lá, pontificavam pessoas de todas as classes e categorias sociais; a turma do esporte, entretanto, marcava uma posição especial. Entre vivos e mortos conhecidos, João Saldanha, Sandro Moreira, Lamana, Hans Henningsen (o "marinheiro sueco"), Pirica, Alfredo González, Ronaldo Xavier de Lima, Salim Simão, Carlos Imperial,1 José Carlos Vilela.(advogado do Flu, tido como o "rei do tapetão''), Vicente .Matheus (do Corinthians), Madame Satã, ou jogadores como Marco Aurélio, Rodrigues Neto, Doval, Ronald etc. Muita coisa saiu dali, em matéria de decisões no âmbito do futebol.
Um dia, descia um temporal no anoitecer. Eu estava ali, na beira do bar, só, quando chega João Saldanha, saído não se sabe donde. Pede uma caipira e começa o papo alimentado pela chuva. João, além de tudo, foi um excelente prosador: basta saber selecionar suas crônicas (há uma bela edição da MPM). Decorriam cerca de dois anos após o tri de 1970. Ele não estava com ressentimentos, esquecera-se dos "óculos" de Pelé. Falou sobre algumas táticas e estratégias e insistia que o Brasil não pode Jogar de modo defensivo. Chega a caipira e ele a devolve com voz firme: "Limão amarelo, não!" Olhei para a minha - estava verde. Vivendo e aprendendo.

Folha de S.Paulo
27/06/1993

 
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