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Conceito de ética e moral

Durante toda a História da Humanidade, ou melhor, da Civilização, o que se entende por censura nunca poderia ser apreendido como um mal necessário, mas como um mal inevitável. Talvez porque ela esteja vinculada ao existir do Estado e suas conseqüências.
Vamos a exemplos recentes, em se tratando das últimas atividades administrativas dos governantes dentro do Brasil. Proibiram a transmissão das evoluções Ballet Bolshói pela TV. Proibiram durante algum tempo a pequena obra-prima da música popular, que é o Cálice, de Chico Buarque de Holanda. Enfim, houve a contribuição brilhante do sr. Alfredo Buzaid - quando ministro da Justiça -, que proibiu as gravuras eróticas de Picasso. A pátria estaria salva. De quê? Infelizmente não estava livre da estultice. Tudo isso, na base das delícias moralistas do AI-5.
Ninguém ignora. A História registra o grande estadista, o grande filósofo, o grande artista, o grande jurista, o grande militar, etc. - em suma, cada um em sua atividade específica. Mas nunca registrará o grande censor (Catão resume um caso à parte, mesmo porque teorizou sobre a agricultura). Isso porque ele segura suas passadas, tenta vedar o fato, que é seu alimento, quer dizer, brigar contra a informação.
Há pouco mesmo, os ministros da Educação e da Justiça, assustados com a potencialidade do ridículo, ficaram jogando peteca em torno da responsabilidade de proibir livros - o que, em contradição, era uma imensa dedicação do sr. Armando Falcão, que - et pour cause - se transformou, no País, na maior autoridade em matéria de assuntos como Brigitte Bijou.
A censura tem a ver com problemas morais; nunca em relação a problemas de natureza ética. Pois existe uma diferença evidente entre o que se compreende por moral e o que se depreende por ética. Esta última representa padrões imutáveis de comportamento e relacionamento humano. Se fulano trai beltrano em determinado compromisso, desde as cavernas de Lascaux, até hoje estará agindo contra a ética. Se alguém contrai uma dívida com outro alguém e não paga - podendo fazê-lo -, trata-se de outra atitude antiética ou a-ética, na famosa expressão do ministro Delfim Neto. Ou, enfim, a corrupção é sempre conta a ética através de todos os tempos.
Já a moral está simplesmente vinculada aos costumes. Variam os produtos, varia a moral; variam as descobertas tecnológicas, varia a moral. Os exemplos são inúmeros. Basta verificar como a pílula anticoncepcional liquidou com o tabu da virgindade feminina. Ou como o acesso da mulher ao mercado de trabalho também acabou com o mesmo tabu. Ninguém irá perguntar à namorada que ganha um bom salário qual “foi o seu passado”. Só na Sicília e em boa parte das províncias. Mais isso porque o mercado da informação não as atinge com a necessária rapidez. Um costureiro da moda pode, num lance ou num muxoxo, debelar determinado tipo de padrão moral. Mesmo porque andar despido em via pública será sempre apenas imoral; jamais antiético. Deus, o Criador, o sabe. Afinal, a origem da roupa, da vestimenta não é moral nem ética - é tão-somente cultural ou técnica, ou seja, fundada na necessidade de melhor se proteger contra as intempéries. E nada mais.
A expressão “moral e bons costumes” se deteriora, portanto, diante de qualquer inteligência mais experimentada. A expressão “subversivo”, por seu turno, também não assusta a quem participa do processo político. O poeta Cassiano Ricardo, num relance de criatividade, disse que era até melhor ser subversivo do que subservivo. Até em virtude de que, quando o “subversivo” chega ao poder, passam a ser subversivos aquele que assim o chamavam.
Existem, assim, três objetivos da censura: o político, o moral e o estético. Esse último diz respeito ao julgamento de qualidade de obras artísticas e literárias. De qualquer forma, todos encontram uma resposta do tempo - geralmente contra.
No Brasil, para dar uma amostra, na década de 40 proibiram o filme francês
A Mulher do Padeiro por causa dos reclamos do confessor da mulher de um ministro da época, segundo o relato de Salvyano Cavalcanti de Paiva. Muitos anos depois a fita foi liberada e, aqui no Rio, graças aos bons serviços da censura filas imensas se estendiam na porta do cinema. Hoje, A Mulher do Padeiro pode ser exibida em festa de fim de ano de colégio.
No entanto, a proibição do jogo - em vigor desde 1946 - é o fato que melhor explica a ânsia de cercear as coisas, a realidade, em nome do exibicionismo moralista. Essa proibição constitui, no mínimo, uma leviandade burocrática. Quem quer, continua jogando, enquanto a corrupção grassa por causa da mesma proibição. Em paralelo, numa figuração ridícula, o Brasil exporta “moral” para quase todos os outros países ocidentais. Em lugar de maior número de empregos, de maior intensidade de assistência social, temos moral e corrupção.
A censura traduz um cranco anticultural. Já que é inevitável, que seja apenas classificatória, no sentido de vedar a menores o aceso a determinadas coisas. Mesmo assim, de maneira que os adultos não fiquem prejudicados. Vale lembrar: a censura caminha sempre em sentido inverso ao do caminhar do espírito democrático.

Jornal da Tarde
18/05/1979

 
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