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Esquerda, direita.

Uma das coisas mais engraçadas que Carlos Lacerda gerou aconteceu há muito tempo (nos tempos em que inexistia ainda a nomenclatura Ato Institucional), durante um programa de televisão. Era época de campanha eleitoral e, aqui no Rio, acirradíssima como de praxe, a rivalidade entre PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e UDN (União Democrática Nacional). Um dos candidatos do PTB acabara de sair de cena e Carlos Lacerda entra logo após. Então, depois de se manifestar a respeito do que seriam as contradições do adversário político, encerra o pronunciamento com chave de outro, com a sua verve habitual, mais ou menos com estas palavras: “Pois é, telespectadores, o negócio é esse: comunismo pros senhores, capitalismo pra eles - boa noite.”
Talvez houvesse até uma injustiça em relação à pessoa referida, mas a frase simplória de efeito - o efeito das boas intuições - era premonitória quanto ao fenômeno que hoje continua existindo em pleno vapor, denominado de “esquerda festiva”, que agasalha, inclusive, as patrulhas ideológicas, denunciadas pelo cineasta Carlos Diegues. Essa “esquerda” frequenta os bares e restaurantes de luxo das grandes capitais, é convidada para festas de alta sociedade, só bebe, em geral, escocês e champa francês. Para fazer parte da curriola é necessário uma renda per capita bastante respeitável. E, em especial, não ter opinião - ou melhor, só ter a opinião da moda. Não é preciso ir longe: basta verificar a votação do sociólogo Fernando Henrique Cardoso nos bairros luxuosos de São Paulo ou dos deputados esquerdistas da Zona Sul do Rio. Nos bairros proletários, neca - só se vota no que determinam os jornais do cacique Chagas Freitas.
Mas nada disso, por enquanto, deve ser muito estranhável. São sempre as elites que elucubram as revoluções, pois a classe proletária, consoante o título do filme proibido pelo douto Ministério da Justiça, permanece indo para o paraíso e a fome é má alimentadora de ideias. É massa de manobra. Assim sendo, se, como vaticinou Lênin, o esquerdismo traduz uma doença infantil do comunismo, a esquerda festiva não só aqui, mas em outras partes do mundo cosmopolita, representa uma doença masoquista do capitalismo. A “esquerda festiva” se diverte. Não sabe como é duro ser membro do PC, o dia-a-dia da clandestinidade, das pequenas e humildes tarefas. Não sabe como é duro e intelectualmente fatigante o trabalho do verdadeiro artista, do criador, do homem de vanguarda, com o olho plantado no novo.
Mas, se o pequeno fenômeno existe, torna-se lícito acusar a sua fonte. Ou seja, o regime de ditadura híbrida ou menos híbrida que, no Brasil, está implantado há quase quinze anos. A tortura, a burrice e intolerância da Censura, as perseguições, o emasculamento do Estado de Direito, a casuística - tudo isso, e mais alguma coisa, forjou ressentimentos naturais, deixou uma geração inteira emparedada. Havia a impotência, quase que geral, de reagir e a angústia da mordaça. A confusão generalizada do final do governo sr. João Goulart - mesmo em termos de defesa dos interesses das instituições do sistema e filosofia capitalista - jamais justifica, em termos éticos, regimes autocráticos. Representa uma degenerescência dos direitos do homem. E mesmo agora, em fase de abertura, basta ver o sequestro no Rio Grande do Sul, as manipulações em torno do inquérito, para configurar sem nenhuma ingenuidade a falácia da Lei diante do vale-tudo. E, nisso tudo, o pensamento e a capacidade de formular de muitas pessoas ficam deturpados. Nem crítica, nem autocrítica, embora tivesse sido um alívio, entre outros poucos, ouvir o futuro presidente da República dizer que jura implantar uma Democracia, ou o futuro ministro da Fazenda reconhecer que a classe assalariada carrega nas costas grande parte tas agruras do Imposto de Renda.
O resultado foi o sectarismo, a bipolarização. No terreno da criação, da arte, exige-se engajamento, mais não seja nas entrelinhas que a censura vareja com pinças e tesoura. O “artista participante”, no entanto, jamais traduz algo de programático. Se assim é posteriormente qualificado - e com fundamentos -, isso constitui decorrência natural do seu fazer. A arte, como a natureza ou o amor, é rigorosamente amoral. Poetas participantes, ao natural do criar, sem pose e recado para os bares e boates de luxo, foram e são, por exemplo, aqui, Drummond e João Cabral de Melo Net, ou Maiakovsky, Neruda ou Miguel Hernandez. É preciso lembrar que Caetano Veloso e Gilberto Gil - mesmo que, porventura, hajam sido inábeis em suas polêmicas com os censores a la gauche - foram presos, em decorrência do terrorismo oficial desencadeado pela decretação do Ato Institucional nº 5, tiveram seus cabelos cortados e foram obrigados a um exílio temporário. Esquerda e/ou direita - vice-versa. O próprro Jean-Luc Godard, grande cineasta, primeiro odiado pelas esquerdas e, depois por elas quase endeusado, quando virou a mesa em maio de 1968, soltou uma frase, em seu filme Made in USA, sobre a não existência das duas alas. Enfim, tudo é relativo; menos a intolerância.

O Estado de São Paulo
31/01/1979

 
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