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Conceitos em crise

Quando, no desfecho da parte inicial do filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, o primata atira o osso para o ar, euforicamente, e este se transforma em nave espacial, ao som do Danúbio Azul, de Strauss II, estávamos, em termos anedóticos, diante da maior elipse da história do cinema. Mas, não era só isso; a elipse, em sua manifestação simbólica, ao expressar a descoberta e evolução do instrumento, através de milênios, também expressava a história da tecnologia e, em decorrência, a história da arte.
Ensaístas, como Ernst Fischer ou Konrad Fiedler, já explicaram e desenvolveram o assunto de modo básico - ou então - para logo fica nas alturas - com Heidegger, em suas abordagens sobre arte, ciência e técnica. De qualquer maneira, com a descoberta de nossa capacidade de instrumentalizar, abriu-se o leque das formas de conhecimento: numa ponta, a arte como meio de especulação e, na outra, a ciência, como meio de aplicação.
Assim sendo, o que se entende como “história da arte” (e, aí, implicada também a literatura) só possui um elo superficial com a história da transformação dos estilos - ou seja, gótico, clássico, barroco, neoclássico, romântico, etc. & etc. Tem muito mais a ver com as grandes transformações tecnológicas. Para Herbert Read, por exemplo, em Imagem e Ideia (Icon and Idea), a grande revolução no terreno da arte realizou-se quando saímos do período paleolítico (pedra lascada), para o neolítico (pedra polida); somente aí pôde ser desenvolvida a capacidade de abstração. Talvez viesse a coincidir com o que Engels, em Da Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, considerava como grande mutação sócio-econômica: a passagem do estado nômade para o estado sedentário. O habitar sucedeu ao transitar e o homem, em se fixando, pôde começar a “pensar” em sentido sistemático.
E a mesma história da arte, continua a se desenrolar. Assinalando alguns pulos, pode-se dizer que é a invenção da roda, do remo, dos templos, da imprensa, até chegarmos à primeira revolução industrial e, enfim, à segunda, com a era da automação da cibernética. Como disse Cassirer, o grande salto, a passagem do mundo mecânico para o eletrodinâmica. Ou, como complementa Walter Benjamin, a crise do objeto único, de sua “aura”, diante dos métodos de reprodutividade em massa.
Em seu Notre Dame de Paris, Victor Hugo, em dado momento, interrompe a narrativa desenrolada dentro e diante da catedral do gótico, a fim de realizar especulações a respeito das alterações da arquitetura em decorrência da invenção da imprensa. Segundo·ele, depois de Gutenberg, as formas arquitetônicas perderam a razão de ser da multiplicidade, da extrema variedade, em favor de uma sistematização. O dia-a-dia passaria a prescindir dos requintes caligráficos, assim como dos requintes ornamentais.
Foi assim que a idéia tradicional do que é arte começa a entrar em crise no século atual, quando se intensifica a tecnologia. Ou, para radicalizar uma vez por todas, quando Einstein descobre a lei da relatividade. Hoje, a definição de "arte" vai ficando flou com - própria crise do que se entende por pensamento ocidental, embarcando numa seta aparentemente desgovernada, que aponta para nada. Vilém Flusser explicou isso muito bem em dois ensaios antológicos: Ex Oriente Lux e Especulações em Torno do Filme 2001.
Mas o lance de elipse de 2001 não engloba apenas a história da arte e a decadência de coisas como racionalismo ou materialismo. Envolve algo ainda mais amplo que poderia ser assimilado como nascimento e consequência da cultura. Por aí se depreende que cultura não significa tão-somente um estar de elites intelectuais, a ida aos teatros, cinematecas, concertos musicais ou a salões frequentados por pessoas requintadas. Cultura, no seu sentido básico, equivale à ação do homem. Começa com a mencionada descoberta do instrumento e, a partir de então, corresponde a tudo aquilo que ele deixou marcado.
A identificação exclusivista de arte com cultura foi um diletantismo, igual ao formalismo forçado de separar vida e arte, vida espiritual de vida real. No mundo grego, isto não existia, como bem demonstra Otto Maria Carpeaux em sua História da Literatura Ocidental. Os deuses moravam conosco. E a mimesis aristotélica passou a ser mal compreendida no mundo cristão, considerada como imitação, quando, na verdade, era mais do que isso, era ritual. Ex-vi as representações das tragédias gregas, ápices do universo dionisíaco.
Hoje, parece que a máquina, a tecnologia, a filosofia do know-how desenvolvida pela industrialização fazem-nos retornar, pelo menos por analogia, ao mundo antigo, ao mesmo desliga- mento entre o "real" e o "espiritual". "Deus se retira" - como diz Heidegger.

O Estado de São Paulo
25/08/1978

 
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