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Linguagem e Contracultura

Até hoje, muita gente consome laudas, dissertando a respeito de função social da arte e assuntos adjacentes. Muitos são oficiantes da “participação” e até se investem no papel de inquisidores da moralidade nacional ou não-nacional, colonial ou não-colonial, do que os criadores estão fazendo. Para muitos, o underground, a contracultura, são o “quente”; para outros, refletem “alienação”- “temos de abordar temas brasileiros”, balela ameaçadora e tonitruante, que é o véu da fantasia a esconder a verdade da incompetência. Pois, ora, ora, tudo que for feito por brasileiro tem de ser brasileiro.
Com o movimento de poesia concreta, ocorre, então, um fato curioso. De um lado, dezenas e dezenas de antologias e exposições internacionais (até mesmo cartões postais com poemas), já figurando também em livros didáticos de nível ginasial ou colegial. De outro, ainda se discute, logo aqui no Brasil, onde foi concebido, o seu direito de existir. A poesia concreta é assunto de interesse para personalidades tão importantes e heterogêneas, como Roman Jakobson, Octavio Paz, Max Bense, Michel Butor etc. Enfeitando, numa cena, o gabinete de Peter Finch, em
Sunday, Bloody Sunday (em exibição), está o poema concreto da maçã, do escocês Ian Hamilton Finlay, hoje um autor bem conhecido, e que bebeu tudo no assunto através das cartas que Augusto de Campos lhe enviava há cerca de dez anos. Enquanto isto ocorre, cineastas frustrados, amadores balbuciantes, continuam a dar murros na ponta dos fatos...
O que, além da invenção, o concretismo fez e faz é exportar know-how brasileiro. O resto é o resto, ou seja, falar em participação ou temas afins, em termos não-estruturais, do folclorismo emocional da mauvaise conscience, do uisquerdismo desinibido.
Veja-se o exemplo de Maiakóvski. A sua poesia era considerada obscura e, com relação a isto, ele assim argumentava, em Os Operários e Camponeses não Te Compreendem, artigo publicado em 1928: “ainda não ouvi, para se vangloriar, ninguém dizer: - como sou inteligente, não compreendo a aritmética, o francês ou a gramática; mas o brado eufórico – eu não compreendo os futuristas! – ecoa há quinze anos, cai e se ergue novamente, excitado e jubiloso.” “Um simples – nós não te compreendemos – não constitui veredicto (...) há uma especulação e uma demagogia a respeito da incompreensão.” Mais adiante, Maiakóvski comparava o poeta, o grande poeta somente lido por meia-dúzia, com a usina de energia que, posteriormente, fará iluminar as lâmpadas em todas os lares.
Até porque a própria ideia de revolução precisa, constantemente, ser repensada, diante de realidades concretas, é que o grande artista ou criador é aquele que revoluciona a linguagem. Sem mexer nisto, adeus – ganhará, no máximo, dependendo do esforço promocional, um lugar apagado no supporting-cast da história. E essa revolução do criador, através da obra, será sempre a de um humanista; nunca, na essência, a de um político ou sociólogo.
Dentro de tal contingência é que se coloca também o debate a respeito do que se convencionou denominador de contracultura. O termo induz o apelo a uma nova selvageria destruidora e inauguradora.
Mas é necessário ir com calma. Primeiro fator: o que se entende, no sentido lato e profundo, como cultura, é algo indissolúvel do problema da linguagem e seu uso (o idioma, a língua). Linguagem também não-verbal de um agrupamento, uma sociedade, uma civilização. Mas a formatividade deles não se resolve por um diktat. Marx explicou bem. O seu materialismo corresponde à concepção de que todas as formações ideológicas de uma dada sociedade são complementares a um determinado tipo de práxis, ou seja, a maneira pela qual essa sociedade estabeleceu o seu vínculo fundamental com a natureza. Como observa Merleau-Ponty, a respeito do pensamento do mesmo Marx, assim como economia e ideologia permanecem interiormente ligadas na totalidade da história, matéria e forma o estão numa obra de arte ou em qualquer coisa percebida. Não há “conteúdo” ou ideia prévia e generalizante que desmonte isto em termos de compreensão do fenômeno. Por isto também o espírito de uma sociedade já vem implícito em seu modo de produção, porque este último já constitui um determinado modo de coexistência dos homens – assim Merleau-Ponty arrematava um dos seus magistrais trechos de interpretação do autor de O Capital.
Essa indissolubilidade, essa unidade dos elementos do processo (o tal rio de Heráclito ou a permanência do infinito nas coisas finitas, consoante Whitehead) só permite, então, compreender a contracultura como uma ação de linguagem. McLuhan, por exemplo, pode ser considerado apóstolo de uma contracultura, quando prevê o fim do alfabeto e uma retribalização da “aldeia global”, via o poderia dos meios eletrônicos, não-literários, e afins. Pode-se, em paralelo, dizer que a poedia concreta (além de dadaísmo, futurismo ou alguns outros movimentos de vanguarda) é contracultura, no momento em que procura modificar a maneira de aculturamento da poesia (sem falar em precursores, como Poe, Mallarmé, Joyce etc.), trocando a sintaxe discursiva pela analógica, à base de elementos visuais, sonoros, semânticos.
Será o underground, as obras que recorrem intencionalmente ao lixo, ao trash, uma contracultura? No sentido profundo, nos parece que não; parece uma reação válida social, emocional ou psicologicamente, porém, mais epidérmica. A não ser que, aqui, a acepção de cultura venha a ser captada de maneira mais restrita. Cultura não seria o espírito global de determinada sociedade ou civilização, mas apenas a capacidade de aprimoramento, refinamento dos meios que fazem a sociedade e a civilização se manifestar, se identificar.
Essa contracultura contesta o conformismo diante do estágio de decadência e ataca o meio-ambiente devolvendo-lhe exatamente os seus detritos, o oposto do requinte estético da concepção em voga. O poderio tecnológico parece alucinante porque desumano. Não eliminou a fome, mas criou a poluição; não eliminou a miséria, mas acirrou a competição, tal ideia odiosa do self-made-man. Mas por isso mesmo, porque ela não irá contestar a linguagem e, sim, usará os restos, o rebotalho dos seus instrumentos- o grosso contra o fino – a sua atuação estrutural permanece condicionada ao eventual, à capacidade de reação, de automarginalização do desenvolvimento técnico.
Continuamos a achar que, para mudar, ainda é melhor atacar pelo cérebro do que pelo intestino grosso. Mas uma opção sincera é sempre válida.

Correio da Manhã
30/04/1972

 
Wiener ou Cibernética
Correio da Manhã 12/04/1964

OP X POP uma opção duvidosa
Correio da Manhã 02/10/1965

Mitos políticos
Correio da Manhã 31/10/1965

Cristãos & Ocidentais
Correio da Manhã 22/12/1965

Moral & Salvação
Correio da Manhã 13/01/1966

Semântica & Nacionalismo
Correio da Manhã 25/02/1966

Ruínas de Conímbriga
Correio da Manhã 19/10/1966

Coimbra: canção e tradição
Correio da Manhã 09/11/1966

Beatnicks: protesto solitário
Correio da Manhã 10/05/1967

Os filhos que devem nascer
Guanabara em Revista nrº7 01/07/1967

Despir os Tabus
Correio da Manhã 12/01/1968

Ninguém ri por último nas fábulas do povo
Revista do Diner\'s 01/04/1968

Muro e Turismo
Correio da Manhã 02/08/1969

Dogma & dialética
Correio da Manhã 10/09/1969

Forma e fonte
Correio da Manhã 16/09/1969

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