As chamadas ciências ocultas voltaram a despertas, nesta segunda metade do século um interesse crescente. Reeditam-se velhos livros, aplicam-na na explicações de fenômenos e motivações os mais heterogêneos. Enquanto o golfinho é treinado para conduzir informações, a telepatia é recorrida no auxílio a projetos que vão da balística à ampliação dos sistemas de comunicação, na tentativa de eliminar a incômoda necessidade do código. E nasce uma nova ciência ou ramificação, a parapsicologia, cuja essência já é aceitar a indução e partir para o relacionamento dos fenômenos que escapam ao alcance da razão imediata.
As bodas das ciências exatas com as ocultas não são novidade e conformam uma nova dialética para as formas de conhecimento. Está aí, por exemplo o livro, edição de 1969, de Alain Mercier, Les Sources Ésoteriques et Occultes de la Poésia Symbolista, que justamente, vem lançado com o apoio do Centro Nacional de Pesquisas Científicas. Quanto ao fato em si, inexiste surpresa: inúmeros outros autoresjá se detiveram nos fundamentos alquímicos do simbolismo. Mallarmé, o mestre do movimento e pai da verdadeira poesia moderna, aquela que tomou conhecimento da crise do verso, tornava evidente, ao primeiro perscrutar, a influência de elementos de iniciação em sua obra, a começar pela sua idéia de que a poesia não era para ser inventada e, sim, para ser descoberta, que se refere exatamente ao princípio de que um alquimista não devia achar nada de novo senão reencontrar um segredo. Corroboram isso a sua leitura de Hegel ou Eliphas Lévi (Tratado das Pedras Preciosas), além de as amizade com o egiptólogo, Eugéne Léfebure, que o teria influenciado em tais pesquisas. Com a frase – “o homem nasce poeta antes de morrer sábio” – rima mestre Mallarmé, quando diz existir uma paridade secreta entre os velhos métodos e o sortilégio, que fica sendo poesia. Em suma, basta interpretar Igitur, uma das obras herméticas mais importantes, só valorizada neste século, a fim de sentir o clima esotérico a perpassar por toda uma especulação com o absoluto.
A alquimia pode ser considerada como uma técnica, ou prática da filosofia hermética, tal qualificação já em decorrência do patrono, Hermes de Trimegisto. A sua influência sobre a poesia foi muito maior de que pensaram os retóricos ou racionalistas. Pois o que estava em jogo, como condutor ao conhecimento, era a palavra. Flamel escreveu o seu tratado alquímico, Sumário Filosófico, em 960 versos de oito sílabas. Também as revoluções sociais alimentaram o pensamento das inúmeras seitas que pululavam, mormente a partir da invenção da imprensa, quando os escritos passaram a obter ampla difusão. Basta ver as teorias dos adeptos de Rosa Cruz. Ou lembrar Cagliostro e a Revolução Francesa. Memórias de um Médico, de Alexandre Dumas, por exemplo, principia com o encontro de José Balsamo (mais tarde, Conde de Cagliostro), com a seita iluminista ao pé do Monte Trovão. Jung, enfim, na era da Psicologia, debruçou-se sobre o tema: Psicologia e Alquimia e Escritos Alquímicos.
Encontra em si a Ciência; ou, como dizia outro dos mais famosos alquimistas, Paracelsus, “aquele que se conhece, conhece Deus implicitamente”. Talvez hoje, a própria aceleração desusada do desenvolvimento das ciências exatas, que leva o homem ao espaço cósmico e a descobertas inauditas, em face de fenômenos não controláveis, tenha gerado a crise do materialismo tout court, que é a própria noção do ser humano de seu desconhecimento da falta de medida da matéria. Aí então, entra a reglorificação daquilo que inspirou Fulcanelli. Pelo menos, poderemos nos livras dos demiurgos racionalistas.
Correio da Manhã
23/06/1971