Os estudos sobre linguagem ou os inúmeros sistemas de sinalização ou significação vêm se desenvolvendo num crescendo constante. Basta notar os inúmeros livros que se editam a respeito do assunto, em contraste com uma bibliografia muito mais pobre existente até há pouco tempo. Em decorrência, as descobertas e teorias ganham também intensidade e mutações galopantes.
Com Saussure, a chamada linguística geral obteve foros de ciência e apareceu a sua lapidar subdivisão do signo verbal em significado e significante, o primeiro, conceito, o segundo, imagem acústica. As indagações a respeito do caráter arbitrário do signo, formulado pelo mesmo Saussure, recebeu, depois, refutação parcial de outro grande mestre, Roman Jakobson, baseado, entre outras coisas, na formação do plural em quase todas as línguas. Ao mesmo tempo, sob a influência de Jakobson, Levy-Strauss conseguiu, através de suas pesquisas, relacionar os sistemas de linguagem com os de parentesco e ensejou que se desfechasse o estruturalismo da moda. Mais abrangente ainda do que o estudo dos mecanismos da linguagem verbal, foi restaurar a importante semiótica de Peirce, pois aborda qualquer manifestação de signos, verbais ou não-verbais. Peirce havia descerrado a função triádica dos signos, com a classificação de ícone, índice e símbolo, os dois primeiros correspondentes ao que Susanne Langer passou a entender por sinal (denotativo), enquanto o símbolo é conotativo. Em suma, com esse instrumental cerrado, inúmeros fenômenos de comunicação foram analisados, nascendo também, com o auxílio de uma nova ciência, a cibernética de Wiener, a moderna teoria da informação, com os seus conceitos específicos de mensagem, código ou entropia. Restava aos computadores, devidamente programados, e sem o aleatório humano da memória, realizar outras tarefas no mesmo terreno, além das nossas forças.
Tudo isso evidencia uma coisa: a consciência do homem no tocante aos meios de comunicação, o saber que a emissão de qualquer signo produz efeitos, não se perde ao sabor do ar. E tal consciência haveria exatamente de ganhar a dimensão abrangente, com o desenvolvimento do alcance, rapidez e eficácia dos meios de comunicação de massa. Um apertar de botão pode também ser uma explosão atômica de significações.
Restaria perguntar pelas consequências dessa consciência. O homem contemporâneo sabe muito melhor do que os seus pares de antanho a respeito do condicionamento do estar no mundo provocado pelos meios de comunicação. Sabe que uns poucos podem manobrá-los, em função da formação de muitos e que, ele próprio, consciente, é passível, por indução, à fatalidade do condicionamento. E se for mais longe, sabe que é viável ficar sob a condicionante do computador, apesar da programação. Os efeitos disparam além das causas, a velha história da criatura voltando-se contra o criador.
Por isso vale repensar a parábola epistemológica desfechada pelo computador de 2001, de Kubrick e Clarke. Dono de todas as linguagens, ele, o computador Hal, também foi dotado de faculdade emocionais - uma contradição com sua ontologia inteiramente racional. Daí, a vontade de poder, até com a capacidade de alterar a sua própria programação. O ser humano, com suas limitações, já não conta, na corrida do conhecimento pelos aléns do infinito. Muito menos, então, os sistemas éticos.
Não cabe discutir a fábula com que, no futuro, irá se encorpar a fatalidade. Esta parece que estava inscrita, desce a instância primitiva onde se descobriu a linguagem e o instrumento. Cabe, sim, procurar e discenir se é possível e vale a pena sobreviver dentro das condicionantes.
Correio da Manhã
27/05/1971