Apesar de todas as transformações, revoluções e erupções, parece que aquilo que se depreende como pintura moderna permanece em seu eixo de grandeza, ainda preso ao tripé Picasso-Klee-Mondrian. Talvez até este período de transição, impasse ou perplexidade, que não é privativo das plásticas, mas de todas as chamadas artes (com a exceção óbvia do filme), contribua para tanto. Picasso, no sentido monumental, na explosão de quase todos os temas e formas em função do espetáculo do quadro: desenvolvei o impressionismo e o expressionismo, foi “azul” e “rosa”, estourou com Les Demoiselles D’Avignon, uma das telas do século, namorou o surrealismo e o abstracionismo, foi cubista sintético e analítico, foi participante com Guernica, enfim, e especialmente, consumou a glória do tema mulher em todas as idades da forma. Mondrian, ao contrário, depois de um período figurativo, quando estava presente a influência de Van Gogh, tornou-se intimista em sua busca da essência lógica e racional da visualidade, ou melhor, a pintura sobre a pintura, usando só as cores básicas e aquilo que considerava o maior tema e “significava a vida”: o encontro entre a linha horizontal e a vertical. Daí, a abertura que legou para a pesquisa do espaço virtualmente tridimensional da parte dos concretos (Albers, etc.), enquanto esses mesmos procuravam retomar o mínimo-múltiplo-comum dos efeitos luz-cor dos impressionistas - vide a linha Monet-Max Bill.
Talvez, no entanto, ninguém, de Klee, tenha levado a palma da originalidade, não a originalidade apenas de escolas e movimentos da maior importância, que buscaram os condicionamentos de estruturas novas, mas aquela, latente, que nasce com o gesto e a vivência, que encerra a inocência não perdida da não comprometida imaginação da criança; ou quiçá do primitivo, do alienado, do marginal. E o seu ambiente intelectual da Bauhaus não contaminou esse processo pessoal, ao contrário, estimulou-o no sentido da síntese.
Poderia ser chamado como o último grande romântico da pintura. Mas, além e mais do que isso: um dos últimos fabulistas, o autor do quadro anedótico, quando o virtuosismo da linha sinuosa, aliado à cor-surpresa e aos motivos inesperados, fazem que o espectador “veja” uma história, um complexo de situações líricas, oníricas. Isto desde o seu desenho, simples, preciso, inventivo. É assim que a fábula visual, amiúde modesta em dimensões materiais, ganha o seu corpo plurivalente, graças as diversos planos de significado, a partir dos títulos das obras, que, ao invés de serem mera etiqueta, como ocorre, tornam-se elementos literários, funcionalmente incorporados à área significante - não é sinal, já é parte atuante de um feixe de símbolos. À própria era da reprodução dada a natureza não monumental de Klee, soube incorporar-se o produto de seu artesanato, para o maior consumo em livros e álbuns - uma criação tão violentamente pessoal, que como, por exemplo, a de um Chaplin, arrebenta com os seguidores.
Correio da Manhã
20/01/1971