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Escreviver

O movimento e Poesia Concreta foi lançado em 4 de dezembro de 1956, em exposição realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em conjunto com artistas plásticos da mesma tendência. Seus idealizadores foram os poetas Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos e, ao lado deles, nessa mostra, já estavam outros poetas. Ronaldo Azeredo, Ferreira Gullar e Vlademir Dias Pino. Logo depois, eu e Reinaldo Jardim viríamos a fazer parte do grupo.
Em 4 de fevereiro de 1957, a exposição transferiu-se para o Rio de Janeiro, no Ministério da Educação e Cultura e, então, a repercussão foi bem ampla. Deve-se notar, em paralelo, que, desde outubro de 1956, o Jornal do Brasil, através de um suplemento semanal, dirigido por Reinaldo Jardim, publicava poemas, traduções, artigos e textos teóricos de poetas concretos.
A denominação poesia concreta nasceu de um encontro na Europa entre Décio Pignatari e o poeta suíço-boliviano Eugen Gomringer, então secretário de Max Bill, o principal nome da pintura concreta. Gomringer, por coincidência, também produzia poemas espaciais, geralmente obedecendo a uma elaboração do efeito permutacional das palavras, e que possuíam muitas analogias com a produção dos brasileiros. Ele chamava suas experiências de constelações, mas, atendendo à sugestão de Pignatari, passou a denominá-las de poesia concreta, no sentido de uma unificação que começava a se delinear. Já estava aí o primeiro sinal de arranque para a expansão internacional de um movimento nascido e criado no Brasil ("poesia de exportação"), como depois se verificou.
A principal característica de um poema concreto é aquela de conferir, em princípio, a mesma importância ao aspecto semântico, sonoro e visual das palavras ou dos signos e sinais ou do texto/ contexto em si. Nisso tudo, também entra a disposição gráfico-espacial, com os brancos, a diversidade tipográfica etc. O momento mais radical e eficaz da poesia concreta foi aquele período ao qual denomino de I'âge d'or, onde se chega à pura ascendência da metalinguagem (uma forma de linguagem que explica as propriedades de outras linguagens) Neste ponto, o relacionamento entre os elementos (palavras, sons, sinais, letras, cores etc.) perfaz estruturalmente a projeção de uma função. A impessoalidade do autor é total em matéria de referências ou ilações subjetivas no tocante a sentimentos ou acontecimentos. A obra se despede do criador e se auto-explica.
Com o objetivo de alimentar a sua teorização, os lançadores do movimento apresentaram um elenco básico de escritores, artistas e obras. Em primeiro plano, Stéphane Mallarmé, James Joyce, Ezra Pound e E. E. cummings, Mallarmé, com o seu poema-revolução – Um lance de Dados (Un Coup de Dês) abriu caminho para novas concepções: o jogo do manuseio de páginas, a montagem de palavras, frases ou trechos de frases, a variação tipográfica, a espacialização, tudo em função das "subdivisões prismáticas da idéia" James Joyce, através do seu romance Ulysses, e, principalmente, com um outro, Finnegans Wake (um livro cujo início constitui a parte final de uma frase cuja parte inicial está no fim), levou à exaustão o sistema de montagem ou aglutinação de palavras (as palavras portemanteau) e assim também sacundindo a sintaxe. E. E. cummings, em inúmeros poemas, pulverizando as palavras, forjando a sintaxe espacial ou acionando os recursos tipográficos, criou uma espécie de fisiognomia verbal e uma escrita expressionista.
Além desses autores, eram oferecidas outras vertentes, como os movimentos de vanguarda literária e artística que já haviam espocado neste século, ou seja, o dadaísmo, o futurismo, letrismo, sonorismo, a música dodecafônica e serial de Schoenberg, Alban Berg e, principalmente, Anton Von Webern e, nas artes plásticas, todos os ismos da criação não-icônica. suprematismo, construtivismo, abstracionismo, concretismo etc. No Brasil, a maior importância era dada à poesia de Oswald de Andrade e João Cabral de Melo Neto.
Em junho de 1957 , Ferreira Gullar e Reinaldo Jardim, com o apoio do critico e teórico Oliveira Bastos, romperam com o espírito e a estética de então do movimento e, a partir daí, no Rio de Janeiro, surgiu o neoconcretismo (também nas artes plásticas) Em fevereiro de 1958, os poetas concretos se afastaram do Suplemento do Jornal do Brasil e passaram a publicar seus textos e poemas em outros órgãos da imprensa, bem como já iniciavam a escalada internacional.
Deve-se notar que o rápido e fácil acesso do poema concreto no âmbito internacional constitui decorrência do trata básico com a linguagem ou a metalinguagem e, não, com o idioma. Enfim, para quem está habituado a perceber estruturas ou, como preconizava Apollinaire, percebe em termos sintético-ideográficos e não analítico-discursivos, basta uma chave vocabulary a fim de projetar a ratio do poema noutra língua. E, às vezes, um poema pode ser explicado pela recriação de outra palavra. Um dos casos mais específicos é o "Acaso", de Augusto de Campos, traduzido para o inglês por "Event" Outro, sob aspecto diverso, é o do meu poema "cinco", que deve ser traduzido, para o inglês, por four (quatro), ou, para o alemão, por vier (quatro) – feito por Max Bense (na sua antologia Muster Möglicher Weltern). No poema de Augusto, as letras que formam a palavra "Acaso" (2 as, um c, um se um o) só formam, na totalidade de suas combinações seriadas cinco a cinco, "por acaso", a palavra acaso e, em inglês, dá-se o mesmo com event (um acontecimento "significativo") No meu, a palavra cinco, que substitui a sistemática dos números precedentes, é a única, em língua portuguesa, que possui o mesmo número de letras correspondente à denotação semântica de tal quantidade. Em inglês e alemão (four e vier) ocorre o mesmo, porém em relação a quatro, o pretendido esboço metalingüístico resulta na versão de cinco para quatro (aliás, mais simétrico e, não, ímpar). Mas – e eis as correspondências - o ímpar acaso tem também cinco letras como o ímpar cinco. O resto é literatura.

Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos iniciaram a apresentação de seus poemas em conjunto através da publicação Noigandres. Na de n.2, datada de 1955, Augusto de Campos lançava a sua sequência Poetamenos, ou seja, poemas espacializados, com letras em variação cromática. Essa diversidade de cores oferecia uma analogia intencional com a "melodia de timbres", de Webern. Na de n.3, já com a presença de Ronaldo Azeredo, lançada junto com a exposição de dezembro de 1956, estavam apenas poemas concretos e, pelo menos um deles, já anunciava a fase l'âge d'or, acima mencionada: terra, de Pignatari. No n.4, em 1968 (e, tendo em anexo, a síntese teórica, "Plano Piloto para a Poesia Concreta", de AC, DP e HC), resplandece a fase radical e metalinguística da PC. Neste mesmo ano, publico também meu primeiro livro de poemas - Um e Dois – com a 2ª parte só de poemas concretos. No n.5, entro para o grupo Noigandres, sendo então apresentada uma antologia (dos cinco) do verso à poesia concreta. Estávamos em 1962 e, neste mesmo ano - com um ensaio de Cassiano Ricardo ("22 e Poesia de Hoje") e outro de Décio Pignatari ("Situação Atual da Poesia no Brasil") – é lançada a revista Invenção, que duraria cinco (sempre 5) números até dezembro de 1966/ janeiro de 1967. Invenção já contava também com a participação de dois outros poetas que, antes, se haviam ligado ao grupo Noigandres: Pedro Xisto (entre outros livros, Haikais & Concretos) e Edgar Braga (entre outros livros, Soma). Sem falar de Manuel Bandeira, que, desde a exposição no Rio, em 1957, havia manifestado a sua simpatia e relativa adesão ao movimento: ou seja, publicara vários poemas concretos desde então ("Áurea/ aureliana" ou "Verde Negro", por exemplo), desaguando com o "Nome em Si", na Invenção n.3.
Essa revista - que não lidava somente com literature de vanguarda, mas com a criação em geral - contava com a colaboração de escritores e artistas nacionais e estrangeiros. Foi nela também que Décio Pignatari e Luís Ângelo Pinto, com a participação de Ronaldo Azeredo, agitaram os princípios e execução dos poemas-código, onde elementos visuais e cromáticos projetavam o relacionamento de palavras.
Resta, enfim, chamar a atenção para o aspecto dainformação cultural e estética desfechada pelo movimento concreto, em paralelo aos poemas. Os poetas concretos foram os primeiros a traduzir e divulgar sistematicamente, entre nós, as obras de Pound, Cummings, o Lance de Dados e o Igitur, de Mallarmé, o Finnegans Wake, de Joyce, Maiakóvski, os trovadores provençais e os poetas metafisicas ingleses, além de diversos escritores e artistas de vanguarda de vários países. Com relação à literatura brasileira, destacaram, há mais de 30 anos, a importância da obra de João Cabral de Melo Neto, recolocaram Oswald de Andrade em circulação ou, sacudindo o passado, relançaram Sousândrade, Kilkerry, Qorpo Santo ou Luís Aranha.
É isso aí.

Posfácio do livro Escreviver
01/01/1987

 
Wiener ou Cibernética
Correio da Manhã 12/04/1964

OP X POP uma opção duvidosa
Correio da Manhã 02/10/1965

Mitos políticos
Correio da Manhã 31/10/1965

Cristãos & Ocidentais
Correio da Manhã 22/12/1965

Moral & Salvação
Correio da Manhã 13/01/1966

Semântica & Nacionalismo
Correio da Manhã 25/02/1966

Ruínas de Conímbriga
Correio da Manhã 19/10/1966

Coimbra: canção e tradição
Correio da Manhã 09/11/1966

Beatnicks: protesto solitário
Correio da Manhã 10/05/1967

Os filhos que devem nascer
Guanabara em Revista nrº7 01/07/1967

Despir os Tabus
Correio da Manhã 12/01/1968

Ninguém ri por último nas fábulas do povo
Revista do Diner\'s 01/04/1968

Muro e Turismo
Correio da Manhã 02/08/1969

Dogma & dialética
Correio da Manhã 10/09/1969

Forma e fonte
Correio da Manhã 16/09/1969

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