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Criação e Publicidade

Se não me engano, na sua "Teoria da Guerrilha Artística", publicada aqui no Correio da Manhã, Décio Pignatari falava da arte, hoje em dia, como um "preconceito cultural". O impacto científico das novas técnicas que romperam com o número sete (as sete artes) e com os gêneros pré-delimitados, tais como, no terreno específico da literatura, a idéia de texto, se sobrepõe às divisões convencionais entre poesia e prosa, ensaio e ficção etc. Tais divisões não irão desaparecer, porém a percepção das coisas em função delas será outra e vice-versa.
O encanto da arte começou a ser quebrado, primeiro superficialmente por tendências como o realismo, naturalismo, expressionismo etc. (não era só o belo, o harmonioso), pois, estruturalmente, neste século de comunicação e reprodutibilidade em massa. A essência do objeto "artístico" passa também a sofrer uma redefinição, pois muitas coisas que possuem função primordialmente utilitária vieram a ensejar o idêntico interesse de pesquisa, até então à conta da "ciência do belo". O próprio conceito de beleza - especialmente a partir da apresentação do princípio do isomorfismo (identificação de fundo e forma), lançado por Max Wertheimer, um dos grandes psicólogos da Gestalt - veio a receber o condicionamento da funcional idade. "O belo é o funcional"- isso, inclusive, procurou demonstrar a poesia concreta em seu período mais fecundo e depurado.
Perguntar o que é arte, já, outrora, era precário, em termos filosóficos (apesar de muitos escribas haverem dissertado sobre "a filosofia da arte"): hoje, atinge o nível da inutilidade, nessa época em que muito do que existe como criação (concebida naquela amplitude estética da gratuidade essencial) já não é arte. Marcel Duchamp, durante a efervescência dada, enviou um vaso sanitário para uma exposição de esculturas. Denúncia do paraíso perdido artesanal.
Depois do filme, talvez seja a publicidade quem dê o melhor exemplo para a compreensão do processo criação/funcionalidade, a resultar na maior ou menor eficácia da obra ou produto. Ambos operam em vários níveis de linguagem: verbal, gráfico, plástico, musical, escultural, teatral. E a mesma publicidade, last but not least, no do próprio filme. Os cartazes de propaganda ou os pôsteres fotográficos passam a ser fruídos, muitos deles, como o são chamadas artes plásticas. E o que pode haver de mini prosa nos textos?
A barreira do utilitarismo separa a criação pura (aquela que situa a gratuidade essencial do objeto lógico da obra) da não-pura. Mas a distinção em matéria de pureza talvez seja supérflua. A publicidade trouxe uma etapa intermediária para o zoneamento do problema e suas especulações. Antes, como o demonstraram inúmeros teóricos de estética (principalmente Susanne K. Langer), havia a diferença entre o objeto real e o virtual. O primeiro não significava além dele. Mesmo em sua evidência material e de funcionamento proposto: um sapato, uma lâmpada, uma faca. O segundo, pelo contrário, em virtude de ser uma forma simbólica (termo este lançado por Ernst Cassirer), era veículo ou suporte de um significado extramaterial: era a obra de arte.
Surge, então, o universo da publicidade e deparamo-nos com uma hipótese limítrofe. No objeto real (sapato, lâmpada ou faca), matéria e forma traduziam o contexto do utilitarismo do fim a que se destinavam: calçar, iluminar, cortar. No objeto publicitário, verifica-se o oposto, ou seja, é na área virtual que se enfeixa o utilitarismo. É naquela significação extramaterial que nasce sua necessidade - a necessidade de convencer eficazmente a respeito das qualidades de determinado produto.
Quem, antes de Croce, vivia dizendo que o importante na obra de arte era o conteúdo e não a forma (dicotomia estática
e superada), encontrou na publicidade a resposta a seus desejos. É claro que importa, na publicidade, a utilização eficiente de elementos gráficos, verbais, plásticos, cinéticas etc., mas a sua funcionalidade está em referir-se positivamente a outra coisa que nada tem a ver com ô6bjeto-anúncio em si. Não há o anúncio sobre o anúncio, auto-referencial, como pode haver o poema sobre o poema, o romance sobre o romance, o filme sobre o filme. A publicidade é a mais antipoética das artes; a menos gratuita em sua razão de ser. E tem de vigorar no momento exato em que a criação é lançada - deseja um público cada vez maior e nunca a torre de marfim.
Paradoxo para Sartre: é a mais "engajada" das artes. Tanto para tentar provar as maravilhas de uma pasta de dentes como as de um ditador.

Correio da Manhã
26/03/1972

 
Wiener ou Cibernética
Correio da Manhã 12/04/1964

OP X POP uma opção duvidosa
Correio da Manhã 02/10/1965

Mitos políticos
Correio da Manhã 31/10/1965

Cristãos & Ocidentais
Correio da Manhã 22/12/1965

Moral & Salvação
Correio da Manhã 13/01/1966

Semântica & Nacionalismo
Correio da Manhã 25/02/1966

Ruínas de Conímbriga
Correio da Manhã 19/10/1966

Coimbra: canção e tradição
Correio da Manhã 09/11/1966

Beatnicks: protesto solitário
Correio da Manhã 10/05/1967

Os filhos que devem nascer
Guanabara em Revista nrº7 01/07/1967

Despir os Tabus
Correio da Manhã 12/01/1968

Ninguém ri por último nas fábulas do povo
Revista do Diner\'s 01/04/1968

Muro e Turismo
Correio da Manhã 02/08/1969

Dogma & dialética
Correio da Manhã 10/09/1969

Forma e fonte
Correio da Manhã 16/09/1969

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