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Loucura cronológica

A velha cronologia linear como método de aferição das alterações da realidade perdeu inteiramente a sua ascendência, com aquilo que Cassirer, em seu estudo a respeito da lei da relatividade, conceituou como passagem do universo mecânico para o eletrodinâmico; ou seja, de Newton a Einstein.
Hoje, o ato de conhecer está condicionado a esse envolvimento dos meios eletrodinâmicos. A criança ouve e vê – ouvê - consoante uma descontinuidade de efeitos, na era da "aldeia global", em que as mensagens ligam os pontos mais remotos da Terra, com incrível rapidez. Desde cedo, pela tevê, apreende Chacrinha e a guerra do Vietnã, João Saldanha e as novelas, desenhos animados e música popular, há sempre o acompanhamento do ruído de algum rádio de pilha, sem falar nos recursos encantatórios da publicidade.
Mas, quando está no colégio, parece que penetrou num mundo diferente. Em muitos casos, em vez de permanecer no fluxo daquilo que Jean Ladriere, em sua
Filosofia da Cibernética, denominava como "apreensão horizontal do real", recebe o impacto da verticalidade de valores, subproduto das velhas aulas-modelo-conferência e da apresentação cronológica dos fatos. Em lugar do estímulo, o choque, desinteresse, a gerar, inclusive a indisciplina. Se o conhecimento é tudo o que se aprende através dos sentidos e da intelecção propiciada pelo restante do mundo verbal, ensino é a orientação do conhecimento. Quando o ensino é desorientado, o conhecimento fica deturpado.
Muitos estabelecimentos, no âmbito do curso primário, vêm realizando um esforço louvável de adaptação e renovação. Mas a chegada ao ginásio torna-se amiúde catastrófica, principalmente no tocante ao aprendizado da língua e literatura. Em lugar da indução através dos sentidos, passível de criar aquele estar dentro da fala, é a velha história de que "a caneta é de João" ou o "mata-borrão é de Maria" (e, hoje, na era da esferográfica, nem mais se usa o mata-borrão), de fazer uma penosa tradução de textos da Idade Média, do latim obrigatório, ou quiçá, aquela antiga e inacreditável análise lógica de Os Lusíadas. No estudo da literatura, por exemplo, em lugar de se estimular o estudante com textos de autores aluais, que se referem a uma realidade que ele experimenta, é o método histórico-cronológico de se começar tudo pelas "priscas eras", matando, no nascedouro, muito interesse, talento ou vocação. Com isso, só o autodidata permanece capaz de ser atualizado em literatura. Urna bateria de regras, em aulas convencionais. Muitos estabelecimentos federais de ensino médio, em lugar, por exemplo, de porfiar pela instalação
plena e completa dos métodos audiovisuais para o ensino de línguas, usam-no, quando muito, corno um apêndice aos cursos tradicionais. É trocar o acessório pelo principal, transformar a essência do processo em treino de intervalo, quando a prática já demonstrou que o aluno aprende muito mais depressa a falar qualquer língua pelo audiovisual do que com o blá-blá-blá do decoreba ou da parafernália de normas gramaticais. Tal deturpação de currículo leva a contradições típicas: o aluno craque em colocação dos pronomes en e y, incapaz de, sozinho, despachar suas malas ao chegar em Orly: ou aquele que já completou 15 anos, está saturado de Virgílio ou Ovídio, mas não dispõe de uma máquina do tempo a fim de voltar a Roma antiga...
Dizem alguns que, pelos seus exageros McLuhan é louco. Mas há outros que, até pela excessiva falta de exagero, já estão loucos há muito mais tempo.

Correio da Manhã
27/08/1970

 
Wiener ou Cibernética
Correio da Manhã 12/04/1964

OP X POP uma opção duvidosa
Correio da Manhã 02/10/1965

Mitos políticos
Correio da Manhã 31/10/1965

Cristãos & Ocidentais
Correio da Manhã 22/12/1965

Moral & Salvação
Correio da Manhã 13/01/1966

Semântica & Nacionalismo
Correio da Manhã 25/02/1966

Ruínas de Conímbriga
Correio da Manhã 19/10/1966

Coimbra: canção e tradição
Correio da Manhã 09/11/1966

Beatnicks: protesto solitário
Correio da Manhã 10/05/1967

Os filhos que devem nascer
Guanabara em Revista nrº7 01/07/1967

Despir os Tabus
Correio da Manhã 12/01/1968

Ninguém ri por último nas fábulas do povo
Revista do Diner\'s 01/04/1968

Muro e Turismo
Correio da Manhã 02/08/1969

Dogma & dialética
Correio da Manhã 10/09/1969

Forma e fonte
Correio da Manhã 16/09/1969

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