Em seu approach epistemológico à teoria da relatividade, Ernst Cassirer já fazia notar a passagem do mundo, da perspectiva mecânica para a eletrodinâmica. Num debate realizado durante o ano passado, girando em torno do desenho industrial no Brasil, ensino e mercado de trabalho – agora publicado em livro, sob os auspícios do Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social e do Instituto Latino-Americano de Relações Internacionais - o poeta (e professor da Escola Superior de Desenho Industrial) Décio Pignatari distinguiu, de modo agudo, a forma de especialização da idade mecânica para a da idade eletrônica. Dizia Pignatari:
A especialização da idade eletrônica é de outro tipo. não tem nada mais que ver com a especialização da idade mecânica, de partes cm separado. O profissional de novo tipo é aquele que será tanto melhor no seu campo, quanto mais ele conhecer de outros campos que não são os de sua especialidade. Isso é, hoje, o novo profissional. Ele só é profissional na medida em que atua em um setor, tendo consciência do sistema geral.
Essa a consequência básica e inicial, sobre a linguagem, do mundo eletrodinâmico: destrói a apropriação do linear e da continuidade lógica e impõe a ascensão do relacionamento probabilístico e da "descontinuidade" ideográfica. É toda uma cultura, então, que muda, partindo-se do princípio de que, mudando-se a linguagem, muda a cultura. Com todos os exageros, McLuhan viu isso. O próprio Cassirer, com todo o positivismo; Wiener, o pai da cibernética, também viu. E viram longe, nessa batida, poetas como Ezra Pound e Oswald de Andrade, cineastas como Eisenstein e Godard.
Mas não viram os intelectuais do século XIX, aqueles que oferecem uma visão dos problemas na base de uma cultura meramente livresca (não que se deva ser contra o livro, mas, apenas, dar-lhe o papel válido dentro do processo), não viram os investidores na importação de um know-how defasado, superado, não vêem, enfim, aqueles que dão ao ensino aqui no país uma estrutura de cerca de um século de atraso. Aquela estrutura que, em lugar de partir do particular para o geral, atola o estudante de generalidades heterogêneas para depois afunilá-lo no túnel da especialização na hora em que ele, exatamente, necessitava especializar os seus prismas de conhecimento em função da própria perspectiva de criação (em vários planos, estético, social, profissional etc.).
O germe da contracultura que, no momento, vai abrindo fendas no edifício do humanismo ocidental, não propugna, evidentemente, apenas um marginalismo modelo underground, de pobreza de meios, sem querer tomar em conta a evolução da máquina e da tecnologia. O caso do cinema é gritante: não se pode desprezar a técnica se a ontologia do filme é o condicionamento tecnológico. Ficar drogada mente a um canto, sem desejar tomar conhecimento do que estão fazendo os computadores, representa a auto-sonegação da informação. Necessário, sim, repensar a máquina e desespecializar o homem.
Correio da Manhã
05/02/1971