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Brincando pelos campos da filosofia

No tempo do niilismo e outros ensaios
autor: Benedito Nunes


No Tempo do Niilismo e outros Ensaios reflete o pensador Benedito Nunes com lances de facetas de seus melhores momentos em torno de estética, filosofia, literatura e arte. Residindo em Belém do Pará, começou a publicar seus artigos aqui no Rio de Janeiro, em 1956, por iniciativa de Mário Faustino. Agora nesse livro, em que o título corresponde a um importante ensaio de abertura, temos vários assuntos, como Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty, Habermas, niilismo, fenomenologia, barroco ou Machado de Assis. E sempre na escala do bom senso - não o "bom senso" no mau sentido ou diminutivo de quem apenas põe algodão entre os cristais, mas aquele fundado em três coisas básicas: conhecimento de causa, isenção de sectarismos e capacidade de formulação.
Em recente entrevista, Benedito Nunes disse que "um dos pólos do livro é aproximar literatura e filosofia na diferença". E, a propósito de Heidegger, é imperativo: "Não se pode pensar sem ele filosoficamente. Ele retomou a tradição filosófica em seus fundamentos a partir dos gregos". Mais adiante: "Daí a idéia, levada ao extremo, de uma consumação da filosofia, na medida em que a ontologia entre em crise". Heidegger, no término de seu ensaio "A Questão da Técnica", estipula que o ato de interrogar é "a devoção do pensamento". E ele foi um pensador que chegou na época da crise e a detectou.
Em No Tempo do Niilismo e outros Ensaios, o autor envereda pelas teses de Heidegger e tópicos relativos ao questionamento da metafísica ou da morte da arte. E, quanto a isso, joga em cena um dos maiores ensaios de Walter Benjamin, "A Obra de Arte no Tempo de suas Técnicas de Reprodução", quando é posta em situação a "aura" do objeto único. De fato, o estudo de Benjamin foi de extrema importância, valendo apenas notar que essa era da reprodutibilidade permite materializar a aura da performance, ou seja, muitas interpretações (música, dança, canto, teatro) que, antes, teriam a sua aura apenas preservada pela precariedade da memória individual.
No seu segundo texto, "Variações sobre um Tema: O Nazismo de Heidegger", Benedito Nunes desmonta com elegância o propósito do livro de Victor Farias, Heidegger e o Nazismo. Se considera "uma presunção exorbitante" o julgamento simples do homem, tenta comprometer, como instrumento da ideologia nazista, o valor filosófico de sua obra, o que configura uma aberração ainda mais grave. Em meu entender, o livro de Victor Farias tinha um objetivo pouco filosófico: causar agitação e, por tabela, animar o amadorismo de um certo maniqueísmo esquerdóide. Afinal, qualquer iniciante na matéria sabe que não se pode por o carro diante dos bois, que a ideologia não possui ascendência, nem nada tem a ver com a ontologia.
"A palavra 'crise' ronda o pensamento deste século" - essa frase de Benedito Nunes abre o estudo "Introdução à Crise da Cultura". Aqui, várias idéias podem advir à margem dos autores e elementos citados e acionados. A idéia de evolução superada por aquela de transformação, ou aquela de progresso, pela de processo. Quanto a esse último termo, vale sempre repisar a definição de Alfred North Whitehead: "O processo é a permanência do infinito nas coisas finitas". Flusser, indo fundo em um escrito a propósito do filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Kubrick, procura evidenciar a crise da própria ciência, que, se não for superada, impedirá que seja o substituto da fé a nossa "autoridade". Ou seja, apesar de se desenvolver em rapidez "geometricamente acelerada" pelos labirintos da natureza, os caminhos que conduzem a seu centro chegam ao nada "ou a um espelho que reflete o próprio cientista".
"O Mito Jean-Paul Sartre" é um breve texto sobre aquele que, como "poucos homens de nossa época, terá vivido de maneira tão intensa e tão dramática o papel de escritor". Benedito faz um rápido apanhado sobre a trajetória literária, teatral e filosófica de Sartre e razão de ser do existencialismo e a frase de Dostoiévski e seu personagem: "Se Deus não existe, tudo é permitido". Mas, com Sartre (Heidegger antes e acima) e outros "existencialistas", sempre ficou em questão o problema da liberdade. O assunto já se toma complexo em decorrência de vertentes linguísticas e etimológicas. Herbert Read, em seu importante livro, Anarchy and Order, faz a diferença entre liberdade essencial e eventual. A primeira é aquela do ser espiritualmente livre, em aberto (não teria a moléstia dos preconceitos, facciosismos, sectarismos etc); ele pode ser livre, por exemplo, num cárcere. A segunda, diz respeito tão-somente à superficialidade do estar, à liberdade do ir e vir e adjacências. Mas, observa ele, enquanto o idioma ingles comporta duas palavras adequadas - freedom e liberty – o francês só tem liberté e o alemão, Freihert. (Em português, só há liberdade.) E, por isso, menciona as dificuldades de Sartre para transpor o "Sein und Zeit" para "L'être et I e néant".
Enfim, "Machado de Assis e Filosofia" é um ensaio antológico, pela análise do humor e precisa seleção de exemplos. Essa frase inicial - "Ousaria afirmar que a razão céptica, modalizada ludicamente dentro da compreensão humorística do mundo"- traduz uma formulação eficaz, nítida, do "pensamento funcional". O Bruxo do Cosme Velho gostava exatamente de brincar com a filosofia- o que não deixa de ser uma espécie de autoglosa para este livro marcante de Benedito Nunes.

O Globo
19/09/1993

 
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