Contracomunicação reúne vários escritos de Décio Pignatari, alguns inéditos, outros já publicados nos jornais. Os inúmeros assuntos abordados, aparentemente heterogêneos, encerram uma visão geral e dinâmica de cultura: poesia e futebol, linguística e fotonovela, cinema e televisão, ensino e comunicação. E lá estão, presentes, os marcos obsessivos da criatividade, segundo DP: Mallarmé e Oswald de Andrade.
Não está o leitor diante de um livro de ensaios, comum, "normal", em que o "lúcido" ou o "erudito" ensaísta já pagou a hóstia do conhecimento e aguarda as loas ou endechas da crítica. Nem se trata de um livro polêmico, no sentido acadêmico, a discutir as vírgulas das gramáticas de todos os gêneros. Aqui, o ensaio é poesia; não o perfume poetizante, mas no sentido essencial do fazer grego.
Aqui, também, metamontagem de corte ou flashes, estamos na acronologia, na descontinuidade, na inauguração permanente do saber perceber e logo dizer. DP não está mais preocupado em mostrar o 2 + 2 = 4 do assunto (pergunte-se a Ezra Pound se alguma vez esteve), em provar, explicar tim-tim por tim-tim porque isso ou aquilo. Quem estiver só nessa, remeta-se aos verbetes das boas enciclopédias. Poesia não é só verso. O veículo não é só o logos, nem o logaritmo alquímico de alguma nova teoria estruturalista sobre o sobre. Quando, por exemplo, fala de cinema, é preciso mover nas águas de um Myra Breckenridge e ao largo dos cidadãos acima de qualquer suspeita, dos quais, aliás, estamos fartos.
E, no momento em que o Governo se manifesta preocupado com o índice cultural das emissoras de televisão, o seu artigo a respeito da TV Cultura de São Paulo é mais do que um aparte; é um alerta. É preciso que autoridades e professores se convençam de vez que a cultura mora na linguagem e, não, nos "conteúdos". Que, na era do ensino audiovisual, da tecnologia galopante, pôr um figurão, paletó e gravata (óculos também seria o ideal), sentado, estático, verborrágico, equivale a permanecer brigando com o "meio", com o veículo, em decorrência, com o público diante do vídeo. Tiro pela culatra - pano rápido - comercial, por favor.
No entanto, o centro de convergência dos assuntos desse livro é a tese do novo, aquela que diz que sem o incomunicável (o novo), não há comunicação. Surpreendente, insólita, escandalosa? Oportuna. O esforço de pensar exigido pelos problemas de informação, código, mensagem, signo, repertório, entropia, diante da ascensão dos veículos de massa no mundo que saiu da mecânica para a eletrodinâmica (Cassirer), foi passado pra trás pelo imediato enxame de comunicadores, comunicólogos, comuniquistas, comunicalistas, comunicalóides, comunicadeiros, em suma, vasos comunicantes do apelo na bolsa de editores, programadores etc. Poucos seguiram as pegadas de Colin Cherry. Comunicação tornou-se um paraíso de facilidades conferenciais, oscilando entre o comércio e a empatia. Ora, era preciso dizer o óbvio não superficial, expulsar os amadores do templo.
Muitos poderão dizer (e até mesmo pensar) que Contracomunicação não tem seriedade. Sim, a tal "seriedade", aquela mesma que, em série, matou as ninfas em troca de um comprimido de Melhoral ou que criou as academias. E basta.
Correio da Manhã
10/12/1971