"Um Filme É um Filme" reúne artigos de crítica cinematográfica do poeta publicados nos anos 60 pela imprensa
Evolução, revolução, invenção. Expressa nesses três termos, uma face pouco conhecida do ensaísta, crítico e poeta José Lino Grünewald, morto há pouco menos de um ano; começa a se descortinar para o público mais jovem alheio à revolução que ele próprio registrou no início de sua atividade como crítico de cinema.
"Um Filme É um Filme - O Cinema de Vanguarda dos Anos 60", a antologia que cumpre o papel de reapresentá-la, reúne sua produção entre 1958 e 1970, publicada no diário "Correio da Manhã", no "Jornal de Letras" e na revista "Invenção", com organização do jornalista Ruy Castro.
Nesses espaços, o poeta, investido dos trajes de crítico, decretava em 1958 "Cidadão Kane" (1941), de Orson Welles, o filme mais importante de todos os tempos, passados 17 anos de seu lançamento, para depois dividir esse Olimpo, ao tomar conhecimento de
"Hiroshima Meu Amor" (1961), de Alain Resnais: "um filme-revolução", que varria "desgastadas receitas artesanais".
O cinema enfim voltava ao que ele queria: invenção. Desse ponto de ruptura sinalizado por Resnais até "2001: Uma Odisséia no Espaço" (1969), de Stanley Kubrick, José Lino Grünewald constrói seu itinerário crítico, acompanhando a revolução estética do cinema ao longo dos anos 60,
"Achei importante incluir artigos de 58 e 59. Ali se vê como ele achava que o cinema já estava maduro para dar um novo salto depois de Cidadão Kane", conta Ruy Castro, que afirma a "importância fundamental'' dos textos e de seu autor para sua formação.
Para Zé Lino, como era chamado pelos colegas, o que importava era o teor de inventividade que o filme instaurava.
Essa noção, emprestada das teorias do poeta norte-americano Ezra Pound (1885-1972), de quem traduziria "Os Cantos" completos, dividia os realizadores entres "inventores" (Eisenstein, Welles, Resnais...), "mestres" (Ford, Visconti, Bergman...) e "diluidores" (centenas). .
O literato que comungou dos ideais estéticos dos concretistas importava o rigor teórico para a arte de massa, sem prejuízo, como ele mesmo parecia defender, para nenhum dos campos. Esse mesmo senso do novo fez com que ele fosse um dos pioneiros no Brasil da recepção de Godard e de toda a nouvelle vague.
"Atribuo isso à formação dele como poeta. A gramática da linguagem não era novidade para Zé Lino. Quando viu essa nova escala harmônica no cinema, percebeu a novidade e aceitou", avalia o cineasta Julio Bressane, amigo do poeta, que fez até uma ponta no seu "O Gigante da América" (1980) na pele de Carlos Gardel.
Mas havia revoluções no cinema moderno, no entanto, que não conquistavam o crítico, também atento ao espetáculo hollywoodiano e suas conquistas tecnológicas. Rossellini e o despojamento do neo-realismo italiano eram algumas delas.
"Ele discordava do empobrecimento do cinema, que, na sua opinião, ia contra a natureza do próprio cinema, que era o poderio industrial. Quando Godard se volta contra isso, com os filmes do final dos anos 60, José Lino o abandona", comenta Castro.
O crítico Antonio Moniz Vianna, hoje aos 77 anos, era redator-chefe e, por isso, eventualmente dividia sua coluna de crítica com Grünewald no "Correio da Manhã". Partiu dele o convite para o poeta trabalhar no jornal, como editorialista, redigindo os então famosos tópicos. "Era uma redação formada por críticos de cinema, que ocupavam funções em quase todas as sessões do jornal", lembra Vianna.
A despeito da amizade intensa, os dois não comungavam sempre os mesmos gostos. "Moniz não admitia 'vanguardices', gostava do cinema 'classicão’, diz Castro.
"Há sempre divergências entre críticos, assim como convergências. Entre nós, um exemplo foi Godard, que eu achava detestável", completa Vianna.
Para o ano que vem, Ruy Castro pretende revelar mais uma frente de atuação do poeta, a de crítico musical.
Caso "Um Filme É um Filme" tenha sucesso na sua recepção, o jornalista vai reunir, para a mesma editora, textos publicados por Grünewald sobre música popular brasileira também no "Correio da Manhã". "Mas só sobre a velhaguarda. Embora admirasse João Gilberto e a bossa nova, Zé Lino era fiel à tradição'do assobio."
Mais uma contradição explícita do crítico de sete faces.
Folha de S.Paulo
30/06/2001