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Pound, traduzido. Uma façanha ou loucura?

Por Isa Cambará

Uma tradução que consumiu quase dois anos de trabalho, pesquisas e noites maldorminas. Mas o tradutor José Lino Grünewald gosta de desafios “Não sei resistir a coisas difíceis”.

Um ano e oito meses de trabalho, centenas de consultas a dicionários e enciclopédias, noites mal-dormidas e, no final, 920 páginas datilografadas. Tudo isso para traduzir 15 mil versos de Ezra Pound, Os Cantos, que, na próxima semana, chegarão às livrarias em sua primeira versão completa para o Brasil. O autor da façanha - ou loucura - é um misto de poeta, escritor, jornalista, ensaísta, tradutor, crítico de cinema, expert em música popular brasileira e em ópera. Ao currículo de José Lino Grünewald poderia ser acrescentado, ainda, um cargo passageiro, mas incomum no Brasil: "assessor de idéias" de novelas, na Rede Globo, numa época em que a Vênus Platinada resolveu aceitar a sugestão de Walter Avancini e, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, pagar intelectuais para pensar.
Pois foi esse multimídia que topou a tarefa insane de traduzir Os Cantos, de Ezra Pound. Não foi a primeira loucura. Há dois anos, a mesma editora, Nova Fronteira, lançou outro trabalho de Hércules realizado por Grünewald: a tradução de lgitur, de Mallarmé, um esforço de vinte anos. Não que o livro seja extenso, mas como o texto é altamente hermético e o tradutor não é de ferro, deu-se ao luxo de fazer a versão aos poucos. Foi um trabalho não encomendado, feito por puro prazer. Depois de pronto, houve o interesse da editora e o livro acabou vendendo mais do que os editores e o tradutor esperavam.
Esse fato leva José Lino Grünewald a imaginar que Os Cantos ultrapasse a fronteira dos leitores dedicados à intelectualidade e à área acadêmica. Seu desejo é que Ezra Pound ganhe novos leitores. O poeta americano é, na sua opinião, o maior e o melhor do mundo, não apenas por sua qualidade literária, mas por ter lançado e/ou apoiado gente do nível de T.S. Elliot e James Joyce. O tradutor sempre foi apaixonado pelo traduzido. Lê Pound desde que se entende por gente e formou com os irmãos Haroldoe Augusto de Campos, Décio Pignatari e Mário Faustino o grupo que introduziu o poeta no Brasil.
Apesar dessa intimidade com a poesia de Pound, não foi fácil a produção de Os Cantos. Como o próprio Grünewald lembra na introdução que escreveu para o livro: "As dificuldades de se traduzir estão à espreita em cada esquina dos versos: as gingas com a sintaxe, as alterações das palavras, o espírito kulchur (culto) de alta voltagem em seus poemas, aos cantos em especial..." Somem-se a isso as muitas referências do poeta na obra, que consumiu mais de 40 anos de sua vida. Para o tradutor, quem melhor definiu Os Cantos foi o escritor Hugh Kenner: "Uma épica sem enredo".
Aproximando a poesia do cinema: a linguagem de Pound lembra os filmes de Eisenstein. É uma montagem, ele vai sobrepondo situações, fotos. Não tem a linearidade comum às histórias. Não há princípio, meio e fim da maneira tradicional. Vai abordando assuntos tão diferentes como sentimentos pessoais, histórias dos Estados Unidos, da China. Para se ter uma idéia, ele começa com a tradução do canto 11 da Odisséia, de Homero. Depois, cita a política italiana do século 16, com os Borgia, os Médici. Em suas citações, utiliza várias línguas e até ideogramas chineses. É como se fosse um caleidoscópio.
Por aí, já se tem uma idéia da dureza que foi a tradução. As referências, em eterminados cantos, são tantas que um ensaísta americano, Carrol F. Terrel, tem uma obra de dois volumes, A Companion to The Cantos of Ezra Pound, com verbetes para se entender as citações. A parte referente ao canto 74, por exemplo, tem nada menos do que 505 verbetes. Os livros de Terrel fizeram parte da legião consultada por José Lino Grünewald, que usou o máximo rigor no trabalho.
- Fui rigoroso porque sabia da responsabilidade. Na verdade, seria um trabalho a ser feito por duas pessoas, mas os outros especialistas em Pound - os irmãos Campos e Pignatari - estavam envolvidos em outros projetos. Mas houve situações que quase me deixaram doido.
Uma delas foi a tradução da expressão "put them in the chart". Literalmente, significa "colocou-os na carroça", e dessa maneira foi traduzido nas versões mexicana, italiana e francesa. Grünewald consultou todas elas e dicionários, como o Webster's, mas não se conformou com a tradução literal. Para ele, o sentido do verso pedia outro enfoque para a frase. Perdeu uma noite inteira pesquisando até que encontrou o que queria num dicionário de expressões idiomáticas do brasileiro Raimundo Magalhães Jr. Como Grünewald desconfiava, a tradução, no caso, era algo como "passar a perna, ludibriar".
Todo esse esforço, no entanto, não significa que a tradução não tenha, eventualimente, algumas falhas. "Não sou infalível", justifica o tradutor. Mas, algumas vezes, ele próprio cometeu algumas alterações ou "traições", como define, para manter a forma. Afinal, Grünewald é seguidor de Walter Benjamin: "A tradução é a forma". Assim, não se inibiu, por exemplo, em traduzir de maneira não-literal a primeira linha de Os Cantos, feita com sete palavras monossilábicas: "And then went down to the ship”. Em vez de "e então eles desceram para o navio", Grünewald optou por "e foi com a nau no mar". Fez isso com a tranquilidade de leitor e admirador de Pound.
- É melhor trair um pouco na área semântica, mas manter a idéia da estrutura. O próprio Pound sempre traiu, quando percebeu a necessidade de reproduzir a potencialidade dos autores escolhidos condicionada à alteração eventual do significado.
Mas Grünewald - que tem um livro sobre o assunto, Trenses/ Treições/Treduções - não acredita que a tradução de Os Cantos vá causar polêmica, até porque são raros os brasileiros que já leram a obra completa no original. Na sua opinião, o que deverá ser motivo de discussão, mais uma vez, será o apoio de Ezra Pound a Mussolini, que lhe valeu, depois da guerra, a acusação de alta traição e o confinamento num hospício, durante anos.
- Aquilo foi um tropeção ideológico. Pound, com seu idealismo, acreditou, durante algum tempo, que Mussolini era o mensageiro da regeneração do viver político. Mas é injustiça acusá-lo de fascista. É o poeta mais participante do século e anticapitalista. Em Os Cantos, o vilão é sempre quem manda no dinheiro. Além do seu talento como criador, Pound é um grande teórico da poesia. Seu ABC da Literatura, já traduzido no Brasil, é uma obra antológica.
Para Grünewald, o leitor que se dispuser a conhecer Os Cantos terá poesia lírica, épica, de vanguarda à sua disposição. E da melhor qualidade.

O Estado de São Paulo
05/12/1986

 
Poesia
Estado de Minas 10/09/1961

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Carlos Heitor Cony Correio da Manhã 28/09/1963

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Transas, traições, traduções
Carlos Ávila Estado de Minas 02/12/1982

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Nogueira Moutinho Folha de S.Paulo 09/12/1984

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Salete de Almeida Cara Jornal da Tarde 08/03/1985

Grünewald traduz Ezra Pound
Jornal do Brasil 12/03/1985

O grande desafio de traduzir Pound
Sérgio Augusto Folha de S.Paulo 16/03/1985

O presente absoluto das coisas
Décio Pignatari Folha de S.Paulo 06/09/1985

Ezra Pound - entrevista
Gilson Rebello Jornal da Tarde 26/10/1985

Pound, traduzido. Uma façanha ou loucura?
Isa Cambará O Estado de São Paulo 05/12/1986

J. Lino inaugura forma de pagamento
Ângela Pimenta Folha de S.Paulo 07/12/1986

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