Se eu pude falar na modificação da linguagem linear e contínua em linguagem de relacionamento probalístico e de continuidade ideográfica, ontem, não há por que, hoje, deixar de abordar o problema da contracultura a partir de excelente artigo de José Lino Grünewald. Os dois pontos básicos de sua colocação foram exatamente êsses, parece-me: linguagem e contracultura.
Diz José Lino:
"O germe da contracultura, que no momento vai abrindo fendas no edifício do humanismo ocidental, não propugna, evidentemente, apenas um marginalismo modêlo underground, de pobreza de meios, sem querer tomar em conta a evolução da máquina e da tecnologia. O caso do cinema é gritante: não se pode desprezar a técnica se a ontologia do filme é o condicionamento tecnológico. Ficar drogadamente a um canto, sem desejar tomar conhecimento do que estão fazendo os computadores, representa a auto-sonegação da informação. Necessário, sim, repensar a máquina e desespectalizar o homem.
É uma colocação séria da contracultura. Como vimos ontem, em nosso pequeno artigo didático, há uma modificação na linguagem. A contracultura não estaria nas drogas e no abandono de meios técnicos, estilo hippie, mas na de coberta dos meios apropriados à linguagem do mundo que surge.
Ruir o edifício do humanismo ocidental significa erigir uma nova ordem de valôres. Não em função puramente da destruição, mas da descoberta dos valôres apropriados ao período eletrodinâmico. Enfim, morre uma era mecânica e entramos numa eletrodinâmica. Não a negação do social, mas a própria descoberta do verdadeiro social dialético.
Sinto - a partir de ontem - um certo vício do didatismo. Pela últlma vez, vamos conceder-nas o prazer. Quando Grünewald fala que não é ficar drogadamente a um canto, o seu exemplo não é escolhido ao acaso. Acontece que a droga, além dos efeitos conhecidos e divulgados numa condenação duvidosa porque promove, tem a peculiaridade de cortar as solicitações ambientais. Isso significa que você realmente fica '"na sua", pois está isolado do ambiental.
Você se aliena da realidade que o cerca e, incrivelmente, não descobre as realidades interiores, pois os processos de chegar a elas não se fabricam em laboratórios nem se compram em farmácias. Você, apenas, corta a sua participação com o social.
Dessa maneira, na alienação estabelecida, você não descobre a realidade, mas, ao contrário, você se afasta das possibilidades de conhecimento, pois passa a ignorar as possibilidades do real. E não há ponte que o ligue à dinâmica do seu tempo, pois a atitude é de retirada e de desligamento.
A contracultura é colocada, no caso em estudo, como um processo de negação do século XIX, como contemporaneidade e como um esfôrço no sentido da apropriação dos meios culturais e sociais reais e objetivos.
O artigo de José Lino, que não conhecia, provocou-me emoção na sua precisão cirúrgica. A sua colocação do problema é no nível possível e verdadeiro: a linguagem e a energia. E comprovou-me o fato de que estamos tão empenhados na mesma busca de verdade social e histórica que o nosso futuro de maneira nenhuma é perdido, mas pleno de esperança e de conteúdo. Amém para todos nós.
Tribuna da Imprensa
18/05/1971