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Ezra Pound - entrevista

Por Gilson Rebello

No dia 30, ele completaria cem anos. Nesta e na página seguinte, Ezra Pound poeta, pensador contestador. E antes de mais nada, uma fascinante personalidade

Uma entrevista com José Lino Grunewald, tradutor de “Cantos”, o Segundo livro de Pound a ser publicado no Brasil.

Se fosse vivo Ezra Pound estaria completando no dia 30 de outubro cem anos de idade. Falecido há 13 anos, ele está agora praticamente esquecido em nosso país. Salvo pela pequena legião de poundianos que tem nos irmãos Campos - Augusto e Haroldo - e em Décio Pignatari seus principais representantes. Por isto, nenhuma comemoração está sendo programada para lembrar a data. Mesmo assim, até o final do ano a editora Nova Fronteira espera poder tirar Pound do esquecimento ao lançar um de seus livros inéditos no Brasil. Cantos, escrito em grande parte quando o poeta norteamericano cumpria pena no Hospital Santa Elizabeth, nos Estados Unidos, sob a acusação de ter traído sua pátria ao apoiar o goyerno de Mussolini durante a II Guerra Mundial, foi traduzido pelo também poeta José Lino Grünewald. Nesta entrevista exclusiva ao Jornal da Tarde o tradutor traça a importância de Pound, fala um pouco de sua vida e lembra que Cantos é o Segundo livro dele publicado no Brasil. O outro é ABC da Literatura. Assim como será o terceiro lançado no mundo. Tudo porque, além da Inglaterra, onde o livro foi editado com o autor ainda vivo, Cantos só mereceu, até agora, uma outra edição no México. Um descaso que não faz jus à afirmação de que Pound está para a poesia do nosso século como Einstein está para a física.

Gostaria que você falasse da tradução que fez de "Cantos", de Ezra Pound, livro que a Nova Fronteira lança até o final do ano. Quanto tempo levou para concluir o trabalho, quais as principais dificuldades e a importãncia desse lançamento?
Demorei cerca de um ano e oito meses para fazer essa tradução. Na verdade, muitos desses poemas já tinham sido traduzidos por Augusto e Haroldo Campos e Décio Pignatari. Essa edição, feita pelo MEC, foi publicada por volta de 1960, mas incluí alguns dos poemas de Cantos. Muitos outros poemas foram, também, traduzidos pioneiramente por Mário Faustino. Pound começou a ser estudado no Brasil por esses autores na década de 50. E, logo depois, teve muitos desses seus poemas publicados em jornais e revistas. Mário Faustino, quando começou a editar uma página literária em um jornal do Rio, não deixou, portanto, de dar publicidade a Pound. Essa antologia chamou-se Cantares e foi, de certa forma, a única em forma de livro. Depois apareceu uma edição em Portugal, elaborada pela Editora Odisséia. Era uma antologia enorme dele que tinha traduções feitas por nós. Recentemente; uma outra editora lançou um livrro com outros poemas. Mas vou começar a contar a história dessa tradução. Fui convidado pela Nova Fronteira para traduzir todo o livro. Os editores queriam que eu fizesse as traduções inteiramente diferentes das que já haviam sido feitas. Então, tive de partir da estaca zero, como se nada tivesse sido traduzido. Só não pude modificar, por exemplo, certas coisas. Se ele diz bom-dia, tenho de traduzir por bom-dia. Entreguei o livro pronto para a editora antes do carnaval e agora estamos na fase da revisão. Escrevi 927 laudas de 30 linhas, o que dá mais ou menos 25 mil linhas.

Não seria muito difícil traduzir EzraPound?
Sem dúvida, é uma tradução difícil. Difícil porque ele inventa nomes, usa a técnica de montagens, que é paralela ao princípio da linguagem chinesa, e mistura tudo isto com o princípio das metamorfoses de Ovídio. Assim, Pound fala de um assunto em um verso e no seguinte pula para outro, sem mais nem menos; porque aquilo faz parte do racional dele, que gosta de fazer uma montagem multifacetada. E o mais trabalhoso é que o autor em questão tem um universo referencial enorme de pessoas, eventos, datas, nomes de lugares e fatos. Para se ter uma idéia, o Canto 74, que é o primeiro Canto Pisano, tem 505 verbetes. Na California, foi editado recentemente um livro em dois volumes, que procura explicar todas as referências de Pound. Assim, a dificuldade da tradução é porque envolve, também um trabalho de pesquisa. Ainda mais porque eu já tinha começado esta tradução quando apareceu o primeiro volume daquele livro e só tive acesso ao segundo quando praticamente estava terminando a tradução. É comum Pound pegar o nome de uma pessoa e fazer uma síncope deste nome, simplificando-o, ou até mesmo imitar o sotaque de um alemão. O autor insere também, nos Cantos, alguns poemas chineses, aos quais dá uma tradução oral e não do seu significado. Depois, aquilo tudo aparece traduzido. Além disso, ele usa caracteres e frases do grego antigo. Isto, evidentemente, não precisou ser traduzido porque o autor idealizou seu poema desta forma. Caso contrário, quebraríamos a funcionalidade de cada verso.

Com todas essas dificuldades apontadas por você, essa tradução dos "Cantos” de Ezra Pound não poderá suscitar polêmicas?
Escrevi isto na introdução que fiz para o volume. Acho que é impossível uma pessoa fazer um trabalho como este sem ter milhões de desacertos. Este é um trabalho que está sendo posto em discussão. Evidentemente não pretendo fugir disso, pois em dados momentos fica difícil saber direito o que ele quer dizer. Há um velho adagio italiano que diz tradutor é traidor. Porque, às vezes, temos a necessidade, ao traduzir um poema, de modificar até a área semantica a área significativa do poema, para manter o que é principal, os efeitos que o autor quer dar. Isto o próprio Pound fazia muito em suas traduções. E somos obrigados a agir assim ao traduzi-lo. O linguista russo Ruman Jakobson tem uma definição perfeita. Diz que a tradução envolve duas mensagens equivalentes e dois códigos diferentes. Portanto, pode acontecer de o tradutor ser obrigado a agir assim. Pound começa os Cantos com um verso de sete palavras de uma só sílaba que, traduzido ao pé da letra, daria "então desceram para o navio". Mas achando que era importante manter sete palavras de uma só sílaba, traduzi desta forma: "e pois com a nau no mar.” Fiz uma “traição" semântica por achar que o mais importante era manter o esquema do poema.

Como é que você define os "Cantos"?
Os Cantos são ao todo 120, sendo que alguns não passam de fragmentos. Nesses poemas, Pound conta a história dos Estados Unidos, da Independência até uma parte inicial deste século. Tudo porque ele tem cantos que podemos chamar de poéticos ou prosaicos, quando se limita a fazer uma montagem de trechos de cartas de Thomas Jeferson e de outros. Há também uma parte chamada de Cantos de Malatesta, que era uma época da Itália do século 16, em que ele transcreve documentos burocráticos daquela ocasião. Pound tinha, ao escrever esses cantos, um pouco da idéia de Dante ao fazer a Divina Comédia. A idéia dele, segundo o crítico e poeta Hugh Kennar, era a de fazer um épico sem enredo. Na verdade, Pound tentou fazer um grande tema épico, onde no século 20, procurava contar um pouco da história da humanidade. Muitos ensaístas ainda discutem se ele teve êxito ou fracassou nesse intento.

Pound ficou 12 anos preso no Hospital Santa Elizabeth quando após o final da guerra foi acusado de traidor e considerado louco. Este livro teria sido escrito nesta época?
Realmente, a parte considerada melhor desta obra foi escrita quando ele estava preso. São os Cantos Pisanos. Mas é bom lembrar que este livro é dividido em seções: Esboço de 30 Cantos; Onze Novos Cantos; A Quinta Década dos Cantos; Cantos 52 a 71; Cantos Pisanos; Perfuratriz de Rocha, já na seção dos Cantares, que é completado pelos Tronos dos Cantares; depois ele voltou a chamar de Cantos, escrevendo a seção dos Fragmentos Inacabados 110-117.

Quando Pound escreveu esses cantos ele pensou em reuni-los em apenas um volume?
Sim. Ele tinha uma idéia de um livro só, de uma obra capaz de dar essa idéia geral. E acredito que, se ele não chegou a terminar essa obra, foi porque não quis porque ele poderia ter aumentado os fragmentos. Mas acho que ele pensou em fazer uma obra com princípio, meio e fim determinado, por isso deixou os fragmentos como estão. Não podemos esquecer que o livro é a viagem de Ulisses, a ponto de começar com uma tradução da tradução latina do canto 11 de Homero, feita em 1538.

Este livro, portanto, seria inédito aqui no Brasil?
Sim. Como já disse alguns desses Cantos já foram publicados em nosso país. Mas o livro como um todo é inédito. E bom destacar, também, que o volume é inédito em termos da língua portuguesa, e, além da Inglaterra, só foi editado no México. Quer dizer, os Cantos ainda não mereceram edições em francês e alemão para citar dois idiomas de grande importância no mundo occidental. Sei que o livro deverá aparecer, ainda este ano, na Itália.

Quando Pound começou a escrever os "Cantos"?
Pound sempre disse que começou a pensar nos Cantos, a fazer os primeiros rascunhos, em 1904. Mas de fato, a primeira versão desses poemas só seria publicada em Nova York, no ano de 1917. Depois disso, Pound publicou esses poemas em jornais e revistas. Em 1925, ele publicou a primeira parte do livro. Embora estivesse preso, tido como louco e considerado traidor da pátria, por causa de seu apoio ao fascismo, os Cantos Pisanos chegaram a ganhar prêmios literários. Pound só saiu daquele hospital em 1958 e, neste ano, em carta a Augusto e Haroldo de Campos, chegou a manifestar o desejo de morar e trabalhar no Brasil. Mas logo depois ele acabou voltando para a Itália, onde veio a morrer, em Veneza em 1972.

Gostaria que você fizesse um paralelo entre o Pound crítico e o poeta, duas das muitas facetas dele. Eliot dizia que os estudos críticos de Pound formam o corpo da crítica menos dispensável do nosso tempo. Pound foi um autor muito polêmico, não é verdade?
A rigor, Ezra Pound não era só poeta e crítico. Temos uma lista enorme, uma espécie de um decálogo do que ele foi. Primeiro, foi poeta, dos Cantos, enfim, de vários poemas; foi ensaísta, que fazia ensaios sobre literatura, música, política, arte; redescobridor, por ter divulgado inúmeros poetas importantes, como o italiano Guido Cavalcanti, anterior a Dante; redescobridor empresário, pois foi quem ajudou muitos escritores de sua época, como Joyce, Eliot, Hemingway; tradutor, pois fez várias traduções, inclusive de poemas em chinês e japonês e de poetas como Confúcio e Cavalcanti e dos trovadores provençais; há o Pound máscara, que era uma característica muito dele quando fazia o que podemos chamar de uma falsa tradução: há poemas traduzidos por ele usando o estilo de outro poeta; epistológrafo, uma vez que suas cartas são uma forma muito original de redigir, já que ele dava uma sacudida na sintaxe, fazia uma montagem, fazia variações parciais e estas cartas eram muito polêmicas; músico, que fez composições importantes baseadas em textos de outros músicos e poetas. Além disso ele escreveu um importante tratado sobre harmonia e o Canto 75, que é uma espécie de partitura com uns pequenos escritos dele em volta. E há, ainda, o Pound teórico.

Não seria essa uma das facetas mais importantes de seu talento artístico?
Sem dúvida, porque devemos fazer uma diferença entre o ensaísta e o teórico. O ensaísta escreve sobre um tema definido e o teórico desenvolve uma idéia. E ele desenvolveu duas idéias básicas em poesia. A primeira quando definiu o poema afirmando que podia ser dividido em três categorias: a melopéia, onde predomina a música, sendo a maior frequencia de elementos sonoros e musicais (o maior exemplo que dava disso eram os trovadores provençais, e aqui no Brasil podemos aplicar essa classificação à obra poética de Cecília Meireles); falopéia, quando predomina a imagem, sendo o exemplo a poesia chinesa; e a logopéia, que é a dança do intelecto entre palavras, algo que aparece no jogo verbal, e esses poemas são sempre a base de ironia e sátira. Outra idéia dele era a de classificar os próprios autores. Dizia que havia os inventores, que são aqueles que descobrem um novo processo, um modo novo de fazer alguma coisa em termos de poesia, jamais feito; depois os mestres, que são aqueles que vieram depois, mas acabaram sendo capazes de fazer poesia melhor do que os inventores; os diluidores, que são inferiores aos mestres. (O crítico Mário Faustino, em um ensaio famoso, deu como exemplo de diluidor o poeta Cassiano Ricardo, assim como classificou João Cabral de Melo Neto de inventor e Carlos Drummond de Andrade de mestre. Apesar de João Cabral ter sido influenciado por Drummond, para dar um exemplo isolado, porque nem sempre o mestre vem depois do inventor. Para ele, a literatura sempre teve altos e baixos. Quando vai muito bem, muitos escritores aparecem e fazem seus trabalhos, como os que escreveram sonetos na época de Dante, etc.) Pound classificou os escritores também como beletristas, que são especializados em um aspecto peculiar do modo de escrever e, finalmente, iniciadores de manias, que inventam uma mania literária.

Falta apenas uma das atividades dele para fecharmos o decálogo aludido por você...
Sim, o Pound político. Afinal, ele sempre teve uma posição política definida. Acho que ele é o maior autor anticapitalista do século, assim como o maior poeta participante do século do mundo cristão ocidental. Do outro lado está Maiakóvski. Ele foi o maior poeta anticapitalista e em seus Cantos sempre os banqueiros e os empresários são os vilões. Além disso, Pound era um poeta anticristão, um poeta pagão. Ele dizia que o Velho Testamento deveria ser substituído pelas Metamorfoses de Ovídio. Naquele seu idealismo, ele acabou apoiando Mussolini, porque achou que o Duce seria o homem ideal para o momento. Por isto, foi preso e acusado de traidor.


CANTO XLV
(Tradução de José Lino Grunewald)

Com Usura
Com usuro homem algum terá uma casa de boa pedro
cada bloco talhado em polidez
e bem a;ustado
paro que o esboço envolva suas faces
com usura
homem algum terá paraíso pintado
na parede de sua igre;o
horpes et luz
ou onde a virgem recebo o mensagem
e um halo pro;eto-se do inciso,
com usura
homem algum vê Gonzaga seus herdeiros e concubinas
pintura alguma é feita pro ficar
nem pro Com elo conviver
só é feita a fim de vender
e vender depressa
com usura, pecadó contra o natureza
sempre teu pão será rançosas códeas
sempre teu pão seró de papel seco
sem trigo da montanha, sem farinha forte
com usura uma linho cresce turvo
com usura não há e/orá demarcação
e homem algum encontro sua cosa.
O tolhadar não talho suo pedra
o tecelão não vê o seu tear
COM USURA
não vai a lã até a feira
carneiro não dá ganho com usura
A usura é uma peste, usura '
engrossa a agulha IÓ nos mãos da moça
E só pórr:i a perícia de quem fia, Pietra Lombardo
não veio via usura
Duccio não veio via usura
Nem Pier del/a Froncesca; l uon Bel/ini não pela usura
nem foi pintada "Lo Calunnia" assim.
Angelica não veia via usura, nem veio Ambragio Praedis,
Não veio igre;a alguma de pedra talhada
com a incisão, Adomo me fecit.
Nem via usura. St. Traphime
Nem via usura Saint Hiloire,
Usura oxida o cinzel
Ela enferru;a o ofício e o artesão
· Ela corrói o fia no tear
Ninguém aprende a tecer ouro em seu modelo;
O atul é necrosado pelo usura;
não se borda o carmesim
A esmeralda não acha o seu Memling
A usura mata o filho nas entranhas
Impede a ;ovem de fazer a corte
Levou paralisia ao leito, deita-se
entre o ;ovem noivo e seu noivo
CONTRA NATURAM
Trouxeram meretrizes poro· Elêu_sis .
Cadáveres dispostas no banquete
às ordens de usura.

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