Diário das artes e da impensa
Este ano é o centenário de Ezra Pound. A boa noticia é que meu velho amigo José Lino Grünewald nos últimos seis anos traduziu os "Cantos" do poeta que nasceu na roça americana cem anos atrás. Já há um livro em que José Lino, Mário Faustino, Décio Pignatari e os Campos Brothers traduziram Pound. Não posso dizer que, familiarizado com os originais, me sinta à vontade com as traduções, mas me parecem muito competentes. José Lino é um herói em traduzir os "Cantos". Tem de tudo. São a epítome do modernismo, onde tudo, desde o mais vil anti-semitismo de Pound ao magnífico domínio e exploração do coloquial, ao uso de mito e de uma variedade de línguas -estrangeiras, servem ao poeta para a música particular do poeta. Nem todos a ouvem. E há os idólatras. Uma escola crítica liderada por Hugh Kenner nada vê de errado em Pound. Mas o leitor brasileiro pode começar lendo as traduções citadas acima (com muitas notas inteligentes) e depois partir para os "Cantos" via Zé Lino. É um evento cultural. Uma vez L.F. Veríssimo me escreveu perguntando se eu concordava com George Steiner que a cultura americana é de segunda mão. É desnecessário eu concordar ou discordar. Os únicos escritores de primeira ordem já produzidos pelos EUA são Pound, Eliot e Henry James (com algumas restrições este último). Eliot e James se naturalizaram ingleses. Pound se tornou admirador quase frenético de Mussolini. Bem... Até um poeta tem obrigação de ser decente, escreveu Orwell sobre Pound. A história é mais complicada. A baixeza política de Pound é parte do todo. E uma grande poesia que deixa de ser grande quando Pound entra pelas loucuras do "crédito social", fascismo e antisemitismo. E vivendo num mundo mais e mais dominado pela usura, talvez já não o achemos tão doido quando deita o verbo contra a dita cuja, que identifica totalmente com os judeus. É bem mais universal a usura. Se Pound nunca tivesse escrito nada próprio, teria passado à história pela editoria que fez de "The Waste Land", de T.S. Eliot. Há um facsimile à venda do original antes de Pound meter a mão. Por uma vez na história o crítico e editor sabem mais o que o poeta quer do que o próprio poeta. Isso agora virou escola de acadêmicos. Mas Pound preferia passar fome a virar acadêmico e Eliot preferiu ser bancário a ser acadêmico. Não é fácil transmitir esse tipo de atitude à juventude de hoje.
Folha de S.Paulo
12/01/1985
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