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Um homem de imagens infinitas

Por Alexandre Werneck

Livro recupera as marcantes críticas de cinema de José Lino Grünewald, um poeta que enxergava o cinema com olhos apaixonados e precisos

Crítico de cinema, poeta, tradutor, boêmio, ouvinte ardoroso de tango e Orlando Silva... José Lino Grünewald era muitos em um, sendo que todos tinham uma voz peculiar, brilhante, contrariando ou antecipando correntes. Morto em julho do ano passado, aos 69 anos, Grünewald tem agora pela primeira vez reunido em livro - pelo amigo Ruy Castro - o melhor de sua porção crítico de cinema, uma de suas mais interessantes facetas. Em
Um filme é um filme - O cinema de vanguarda dos anos 60, pode-se ver a relação íntima que este carioca mantinha com a dita sétima arte, para ele "a oitava maravilha do mundo". Um dos descobridores no Brasil de Cidadão Kane, de Orson Welles, e do cinema de Jean-Luc Godard, Grünewald era capaz de achar Alphavile uma realização menor do diretor de Acossado, e de adorar Os reis do iê, iê, iê, filme dos Beatles. Tudo escrito com paixão e sem medo da controvérsia.
Grünewald era sobretudo um amante do pensamento. Como Xanadu, a mansão em que Kane mantinha objetos como num museu, o apartamento em que Grünewald morava, no Corte de Cantagalo, reúne até hoje grandes coleções: os filmes antigos em video que passou a ver no início dos anos 70, quando resolveu não mais ir ao cinema por dizer que não havia mais novidade; uma grande e enciclopédica coleção discos reunindo de valsas vienenses a Caetano Veloso; e os livros, que percorrem o caminho de sua formação, dos filósofos da fenomenologia aos poetas do concretismo, grupo que ele mesmo integrou.
Seu filho Bernardo, 36 anos, diz que ele era um homem "com a cabeça no futuro, mas com o coração no passado". Defensor ferrenho das ousadias, Grünewald celebrava as inovações de filmes como O ano passado em Marienbad, de Alain Resnais, mas ao mesmo tempo era apaixonado pelas operetas da Metro e por filmes como My fair lady, de George Cukor, que elegeu como o melhor de 1965. Soube perceber desde o primeiro momento a condição de obras-primas de Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, Oito e meio, de Fellini, e outros filmes.

Elegância - Colecionava objetos e colecionava idiossincrasias. O jornalista Sérgio Augusto era amigo e colega dos tempos do Correio da Manhã, onde Grünewald trabalhou como editorialista nos anos 60, dividindo a redação com nomes como Carlos Heitor Cony e Otto Maria Carpeaux. Sérgio conta que era impossível conviver com ele sem reparar em suas marcas. Vestia-se elegantemente e usava sempre gel no cabelo, num mix dos estilos de dois ídolos cantores: Carlos Gardel e Francisco Alves. Na redação, carregava sempre um chaveiro, que balançava como um sino. Em casa e com os amigos, conta Ecila Azeredo, 70 anos, companheira de Grünewald por 40, aliava um forte bom humor com boas doses de melancolia. "Por isso ele revia os filmes, porque dizia que tinha uma sensaçãode deja vù com os novos".
Mas, diferentemente da de Kane, a Xanadu de Grünewald era aberta e iluminada. "Não era bem a open house que ele costumava proclamar, mas recebíamos muita gente", conta Ecila. Os amigos se reuniam em torno do uísque e do discurso de Grünewald e também dos seus discos, como todas as gravações de Francisco Alves e Carmem Miranda e muitas óperas, "em pilhas de discos 78 rpm, rigorosamente organizados", como conta Ruy Castro no epílogo do livro. Por lá passavam figuras como Paulo Francis e Nelson Rodrigues. Em 65, durante o primeiro Festival Internacional do Filme no Rio de Janeiro, a casa foi a sede de uma festa que atraiu artistas de várias partes do mundo, incluindo o diretor alemão Fritz Lang, uma figura séria, sisuda, que acabou a noite bêbado, miando e chamando o novo amigo brasileiro de “cat" (gato).


Concretista - Quem também frequentava a casa eram os amigos do movimento concretista: Décio
Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos. Augusto se lembra do concunhado - ele é casado com a irmã de Ecila - como o mais radical dos integrantes do movimento. "Nós todos ficamos abertos para outras coisas que surgiram na vanguarda, mas ele ficou concretista até o fim". Augusto conta que foi por pouco que o amigo não entrou para a história do movimento como os outros. "Na época da exposição concretista, em 1957, ele já tinha um ou dois poemas que poderiam participar, mas não os entregou a tempo e ficou isolado", conta.
A leitura das críticas de Grünewald permite sobretudo ver um tipo de texto sobre cinema que caiu em desuso na imprensa. Para Sérgio Augusto, "o que Lino fazia não era crítica. Ele era um ensaísta". Os textos que escrevia, primeiro para o Jornal de Letras e depois para o Jornal do Brasil, além de alguns no Correio da Manhã, eram acadêmicos. Ele era tão único em suas posições que não virou unanimidade. O próprio Sérgio diz que "ele não teve seguidores para seu estilo de escrita". Dono de um texto particular, sério e técnico, que associava filosofia
fenomenológica a citações de Engels – como faz em 2001, uma odisséia no espaço, de Stanley Kubrick, para ele o maior filme da história do cinema - Grünewald ainda associava a isso um método particular de pensar os filmes. Chegava a tomar emprestado uma classificação para poesia proposta pelo poeta americano Ezra Pound, de quem era fã e tradutor. "Ele não era crítico de jornal, seus textos eram muito requintados", diz ainda Sérgio.
Para o amigo, isto tinha relação com o fato de Grünewald ser um homem que não buscava nenhuma essencialidade nos filmes, e sim sua "boa administração". Foi essa busca de realização do filme como espetáculo que levou Grünewald a eleger no Jornal de Letras 2001 como o melhor filme da década de 60, contrariando a grande maioria dos críticos do país. "Nós achávamos que ele era apenas um show de imagens, com uma discussão fraca. Para ele, era uma maravilha", conta Sérgio, lembrando do ceticismo do amigo. "Era um ateu convicto. Deve ter sido o único crítico do mundo que não chorou vendo Bambi". Esse ateímo, aliás, era uma marca do bom humor de Grünewald. A viúva se lembra dele contando que, na primeira comunhão, após receber a óstia, guardou-a para cuspi-la e enterrá-la na rua.
Desde cedo, respeitar padrões não era com ele.

Jornal do Brasil
15/06/2001

 
Poesia
Estado de Minas 10/09/1961

Eruditos & eruditos
Carlos Heitor Cony Correio da Manhã 28/09/1963

Prelúdio do Zé Lino
Carlos Heitor Cony Folha de S.Paulo 26/05/1965

A contracultura eletrônica
Jacob Klintowitz Tribuna da Imprensa 18/05/1971

Transas, traições, traduções
Carlos Ávila Estado de Minas 02/12/1982

Escreve poemas, traduz Pound, é crítico de arte e é de Copa
Vera Sastre O Globo 03/10/1983

O brilhante esboço do infinito jogo de dados
Nogueira Moutinho Folha de S.Paulo 09/12/1984

Diário das artes e da impensa
Paulo Francis Folha de S.Paulo 12/01/1985

Igitur, um Mallarmé para iniciados
Salete de Almeida Cara Jornal da Tarde 08/03/1985

Grünewald traduz Ezra Pound
Jornal do Brasil 12/03/1985

O grande desafio de traduzir Pound
Sérgio Augusto Folha de S.Paulo 16/03/1985

O presente absoluto das coisas
Décio Pignatari Folha de S.Paulo 06/09/1985

Ezra Pound - entrevista
Gilson Rebello Jornal da Tarde 26/10/1985

Pound, traduzido. Uma façanha ou loucura?
Isa Cambará O Estado de São Paulo 05/12/1986

J. Lino inaugura forma de pagamento
Ângela Pimenta Folha de S.Paulo 07/12/1986

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