Coletânea de críticas mostra as paixões literárias de José Lino Grunewald
Duas paixões ficam explícitas: Mallarmé e Rosa
Ler ou melhor (re) ler o ensaísta, poeta, tradutor, jornalista e crítico plural José Lino Grünewald (1931-2000) significa desenhar em tintas fortes - jorros de azul, verde e amarelo - o papel do intelectual no Brasil. E poucos foram intelectuais como ele, que, despido do mofo do academicismo pedante e da carapaça dura da mesquinharia, atingiu um nível de sobriedade, excelência narrativa e doçura talvez só alcançado por outro crítico igualmente genial, o paulista Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977).
Como um daqueles jogos de armar propostos por Julio Cortázar, poliedricamente fartos em informação, a reunião dos escritos de Grünewald revela hoje toda a riqueza de um crítico musical, cinematográfico e literário que inventou um método de análise e que sempre empregou sua metodologia em prol do leitor.
Depois da publicação de Um filme é um filme, coletânea de resenhas cinematográficas que chegou às livrarias ano passado, lembrando um ano de morte de Grünewald, está sendo lançada agora uma reunião de suas críticas literárias. Publicadas entre as décadas de 60 e 90, em diversos veículos da imprensa brasileira, do Correio da Manhã à revista IstoÉ, trazem estudos sobre alguns dos principais livros que o mercado editorial brasileiro editou no período.
O grau zero do escreviver é peça obrigatória para se entender o mosaico intelectual que foi a cabeça de Grünewald. Em cerca de 10 pequenas críticas reunidas em blocos de 10, o jornalista desfila pelo livro suas várias verves. A política, a lírica, a severa e, sobretudo, a de leitor apaixonado. Tanto que sobra como impressão um escancarado idílio, para o bem e para o mal, entre ele e a poesia de Mallarmé. Vira e mexe, Un coup de dés (Um lance de dados) se faz presente, seja como referência indireta, pura citação ou matéria-prima bruta. Só que, mesmo tomado pela experiência que ler Mallarmé representa, Grünewald teve o senso de não se entregar ao vício do deslumbre e escapou da fidelidade aos encantos do concretismo puro.
Assim, O grau zero do escreviver apresenta para quem não conhecia e reapresenta a quem já era íntimo um crítico preocupado, acima de tudo, com questões da arte nacional. Rosa da prosa, crônica publicada em 21 de novembro de 1967, por ocasião da morte de Guimarães Rosa, ocorrida dois dias antes, talvez seja a mais "necessária" de todas as suas resenhas relativas ao Brasil.
Nas linhas de Rosa da prosa, ao a pontar Guimarães como "o maior prosador em língua portuguesa de todos os tempos", o Grünewald poeta dá as mãos ao Grünewald filósofo, e ambos mergulham numa meditação entre o estético e o ético para entender o papel do autor de Sagarana como pensador do Brasil. Essa viagem reflexiva apenas confirma o vigor de seu pensamento de crítico que, há muito disperso em jornais em pleno processo de decomposição, agora fica imortalizado numa obra tão densa como O grau zero do escreviver.
Jornal do Brasil
07/12/2002