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Tradução primorosa traz inéditos de Mallarmé

Por Marcelo Coelho

Mallamé – poemas, de Stéphane Mallarmé. Tradução de José Lino Grünewald. Editora Nova Fronteira. 144 páginas.

O poeta Stéphane Mallarmé (1842 - 1898) sempre foi considerado o exemplo clássico da "obscuridade" e do ''hermetismo'' em poesia. Traduzir alguns de seus textos - e ajudar a explicá-los - é uma proeza que José Lino Grünewald realiza com grande êxito. Sua coletânea, bilíngue, inclui sete sonetos, o conto (?) "Igitur", quatro "poemas em prosa", além de alguns rascunhos e projetos, entre os quais duas páginas daquilo que seria "O Livro", a obra inacabada que atormentou toda a vida do poeta.
Em 1974, Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari publicaram um volume de traduções da obra de Mallarmé (ed. Perspectiva), contendo cerca de vinte poemas, o "L'Aprés Midi d'un Faune" e o " Coup de Dés''. A antologia de Grünewald dá continuidade, em alto nível, àquele magnífico ''tour-de-force" literário.
A sintaxe de Mallarmé, com os versos se encadeando em orações subordinadas até o ponto de não se saber exatamente qual palavra se refere a qual, não deriva sua obscuridade do fato de ser apenas "sobrecarregada" e "complexa'': é antes de tudo uma sintaxe fugidia, esquiva, onde o predicado parece perder-se do sujeito, o adjetivo do substantivo; uma estratégia que é menos a da "colagem'', da elipse ou da livre associação de idéias, do que uma manobra de evasão. Não procede por acúmulo de temas e de semelhanças, mas por meio de uma vertiginosa fuga em direção ao silêncio, uma espécie de esvair-se, sem pontos nem vírgulas, rumo ao instante em que, terminado, o poema deixa apenas uma "vibração de sentido" no leitor. Não quer apresentar "alguma coisa" por meio de versos, evocar "alguma realidade", mas sim despedir-se dela, captar apenas a sua desaparição. O que ia revelar perdeu-se, purificou-se, sublimou-se no ar: havia algo de sutil e de absoluto demais para ser aprisionado pela linguagem humana.
Afastando-se de suas referências, de seu "conteúdo" imediato, o poema reproduz essa dissolução, essa desmaterialização das coisas rumo à sua essência inapreensível; inapreensível, mas capaz de ser sugerida, à distância, pela sonoridade dos versos, pela ressonância secreta das palavras, pela forma cintilante.
Consequência de uma solução muito particular para o problema da relação entre a linguagem e as coisas, onde uma quase-metafísica, uma quase-ontologia se misturam a visões típicas do decadentismo francês de fins do século 19 (a idéia da "impureza", da vulgaridade do mundo material, a busca mística das "essências" ao lado da angústia diante da inexistência de Deus), a poesia de Mallarmé abre uma das principais vertentes da modernidade literária, a mais "cerebral" e atenta às exigências de rigor e contenção do ponto de vista da forma.
Um problema difícil de resolver, neste contexto, é o de quanto a herança de Mallarmé, sua influência na poética do século 20, pode subsistir dissociada da ''visão de mundo'' específica de seu autor. De que modo a solução delicadíssima que a poesia de Mallarmé propunha para o problema da linguagem poderia ser aproveitada num quadro de referências culturais e de visoes de mundo diferentes? O equilíbrio alcançado por Mallarmé não correria o risco de romper-se? Mas esse tipo de questão não se resolve de uma penada.
Grunewald traduz com extremo gosto e grande competência, defendendo com honestidade e segurança, nos comentários a cada texto, as soluções que adotou. "Salut", ("Brinde"), foi também traduzido por Augusto de Campos; é difícil escolher qual das duas traduções é melhor. De qualquer modo, falando em "taça", e não em "copa", para efeitos de um brinde, Grunewald ganha em clareza, além de evitar uma polissemia certamente desconfortável: aludir involuntariamente à criadagem numa circunstância formal de banquete (Mallarmé pronunciou esse poema presidindo a mesa de um). Mas em "Le vierge, le vivace et le bel aujourd'hui", a tradução de Augusto de Campos é superior a de Grünewald: "aujourd hui" no poema é claramente um substantivo e Grünewald sugere um advérbio. Parece haver também um mal-entendido de sintaxe em "Angústia": o sétimo verso se refere a "remords". Um erro tipográfico prejudica a tradução de "Homenagem". Problemas minúsculos num livro excelente.

SALUT
Stéphane Mallarmé
Rien, cette écume, vierge vers
A ne designer que la coupe;
Telle loin se noie une troupe
De sirenes mainte à l’envers.

Nous naviguons, ò mes divers
Amis, mou déjà sur la poupe
Vous l’avant fastueux qui coupe
Le flot de foudres et d’hivers;

Une ivresse belle m’engage
Sans craindre même son tangage
De porter debout ce salut

Solitude, récif, étoile
À n’importe ce qui valut
Le blanc souci de notre toile

BRINDE
Nada, esta espuma, virgem verso
Apenas denotando a taça;
Como longe afogam-se em massa
Sereias em tropa ao inverso.

Navegamos, ó meus diversos
Amigos, eu já sou popa,
Vós a proa que rompe em pompa
As vagas de trovões adversos.

Empenho-me em pura voragem
Sem mesmo temer a arfagem
A, de pé, este brinde erguer:

Solitude, recife, estrela,
A não importa o que valer
O alvo desvelo em nossa vela.
Tradução de José Lino Grünewald

Folha de S.Paulo
19/01/1991

 
Poesia
Estado de Minas 10/09/1961

Eruditos & eruditos
Carlos Heitor Cony Correio da Manhã 28/09/1963

Prelúdio do Zé Lino
Carlos Heitor Cony Folha de S.Paulo 26/05/1965

A contracultura eletrônica
Jacob Klintowitz Tribuna da Imprensa 18/05/1971

Transas, traições, traduções
Carlos Ávila Estado de Minas 02/12/1982

Escreve poemas, traduz Pound, é crítico de arte e é de Copa
Vera Sastre O Globo 03/10/1983

O brilhante esboço do infinito jogo de dados
Nogueira Moutinho Folha de S.Paulo 09/12/1984

Diário das artes e da impensa
Paulo Francis Folha de S.Paulo 12/01/1985

Igitur, um Mallarmé para iniciados
Salete de Almeida Cara Jornal da Tarde 08/03/1985

Grünewald traduz Ezra Pound
Jornal do Brasil 12/03/1985

O grande desafio de traduzir Pound
Sérgio Augusto Folha de S.Paulo 16/03/1985

O presente absoluto das coisas
Décio Pignatari Folha de S.Paulo 06/09/1985

Ezra Pound - entrevista
Gilson Rebello Jornal da Tarde 26/10/1985

Pound, traduzido. Uma façanha ou loucura?
Isa Cambará O Estado de São Paulo 05/12/1986

J. Lino inaugura forma de pagamento
Ângela Pimenta Folha de S.Paulo 07/12/1986

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