Cinqüenta e cinco poemas e uma divisão
Por Antônio Fernando de Franceschi
Repartido entre o discursivo e o formal, Escreviver é mais coleta do que hesitação
Os recém-completados 30 anos de poesia concreta ensejam agora mais uma revisitaçao. Após as publicações retrospectivas dos trabalhos de Augusto de Campos e Décio Pignatari, é chegada a vez da poesia de José Lino Grünewald, outro militante de primeira hora do movimento, que reúne em Escreviver (Editora Nova Fronteira, 120 páginas, Cz$ 335,00) uma coleta de sua produção a partir de 1956. Pensando talvez nos não-iniciados, o autor informa no posfácio que a principal característica da poesia concreta é conferir, em princípio, igual relevância ao aspecto semântico, sonoro e visual das palavras ou dos signos e sinais do texto. Daí, esclarece, a importância no concretismo da disposição espacial das letras e fonemas, dos brancos e da variedade tipográfica. Mas vai além a intenção didática. Os próprios poemas estão dispostos no livro de modo a ressaltar essa tensão entre o "analítico-discurviso", num extremo, e o "sintético-ideográfico", noutro. Os trabalhos da primeira parte (Língua), embora claramente filiados à vertente discursiva da poesia (versos com preocupação de conteúdo e predicação), são, em boa parte, contemporâneos de outros dominados por preocupação inversa: o exclusivo predomínio do formal (Linguagem). Essa justaposição de diferentes dicções tem também, a seu modo, valor informativo: na obra do autor, o mais rigorosamente concreto indicaria uma culminação em retorno? Não é bem assim. Há pelo menos lugar para ondulantes recaídas, como é o caso de Soneto Circular (um soneto em senso estrito, com rimas aliteradas e chave de ouro), datado de 1975, mesmo ano de Prefixar e Sufixar, ambas as proposições absolutamente concretas. Tudo isso parece conduzir à idéia de que a produção dessas diferentes dicções, na poesia de José Lino Grunewald, é, simultaneamente, sincrônica e diacrônica e a síntese Escreviver pode ser uma coleta de opostos, não uma hesitação. Tanto melhor, já que, de outro modo, o leitor poderia colher conflitivamente as sincronias:
''O que é sonhar, cismar ou divagar Definir o que é Rama, fé ou flor São flácidas palavras sem valor Os fáceis pensamentos cor do ar" do Soneto Circular, com "alfab ou aritm berm ou apolog prof ou dial..." de Prefixar
Ainda assim, finalmente, há um desempate. E o que explica o prefácio de Décio Pignatari: "José Lino começa hesitando entre a metáfora e a melopéia, nos primeiros poemas. Optará pela melopéia", para saltar, depois, "para além do verso". Um salto difícil, de todo modo, pois o poeta de Língua não é menor que o de Linguagem. Na dúvida, fique o leitor com a palavra.
O Estado de São Paulo
26/07/1987
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