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Divina odisséia de Pound

Por Severino Francisco

Prantear, prantear ouvi um dia,
Artemis cantando, Artemis, Artemis
Contra Piedade alçou o pranto dela:
Piedade é a falência das florestas,
Piedade liquidou as minhas ninfas,
Piedade só perdoa as coisas torpes.
Piedade maculou abril,
Piedade é fundo e fonte.
Mas se nenhuma bela criatura
Me faz agora companhia
E por culpa de Piedade,
Piedade envida evitar a morte.
Tudo ficou impuro na estação,
Esta razão, não pode ver pureza
Quem vive na impureza da piedade
E as coisas crescem tortas;
Não mais voam minhas setas
Para matar. Nada se mata agora limpamente
Apenas permanece o apodrecer.
Fragmento do canto XXX

Caro leitor, prepare-se para entrar em contato com os pontos luminosos do inferno e do paraíso de um universo paralelo, em uma viagem através do tempo da poesia, conectado com múltiplas esferas da experiência da humanidade, abertas a uma leitura do presente. Este é um dos lançamentos editoriais não apenas do ano (passado) mas da década:
Os Cantos, de Erza Pound, em tradução de José Lino Grünewald. Sobre a tradução de José Lino Grünewald, já se disse: o Brasil é um dos poucos países onde o fato de não dominar o inglês não constitui um empecilho definitivo para se chegar até Os Cantos. Em 20 mil versos, distribuídos por 116 cantos, de um projeto de 120, Pound faz uma espécie de síntese entre a Odisséia, de Homero, a Divina Comédia, de Dante, As Metamorfoses, de Ovídio e a filosofia de Confúcio, estruturada em uma montagem ideogrâmica ou cinematográfica, não-linear, para armar aquele que é considerado o grande poema épico moderno. Os Cantos está para a poesia contemporânea como Ulisses/Joyce está para a ficção.
Poeta, ensaísta, redescobridor de poetas (Cavalcanti, Laforguem Corbiére), descobridor/empresário (revelou Joyce, Hemingway, Eliot), tradutor (criou a tradução como invenção), teórico (estabeleceu classificação dos autores segundo a escala de inventores, mestres, diluidores...) político (postura de permanente combate a usura). Estas são algumas facetas da originalidade de Pound citadas por José Lino. E no item “política” que Pound fez sua mais desastrada intervenção ao apoiar o fascismo de Mussolini, por acreditar se um “mal menor” face a usura capitalista. Em obra, Pound escreveu alguns dos mais violentos poemas antiusura. Em 45, o governo americano o acusou de traição. Pagou caro pelo erro. Passou 12 anos trancafiado em uma “jaula de gorilas” do manicômio judiciário de Pisa, sem direito a julgamento. Em 58, foi libertado. Em 72, morreu na cidade de Veneza. Quase no final da vida Pound admitiu o desastre do seu apoio ao fascismo. A aura de fascista ainda persegue, burramente, a Erza Pound. A ideologia de um artista deve ser buscada exclusivamente em sua obra. O político desastrado Erza Pound já morreu. Só está vivo, e perigosamente vivo, o poeta. Nada justifica adesões de artistas e fascismos. Mas, também, nada justifica reduções grosseiras.
Em razão de divergências políticas, Bunuel cortou relações com Salvador Dali. Mas ao ser indagado sobre o fascismo de Dali, Bunuel disparou: “Como pode um terremoto ser de direita ou esquerda?”. Erza Pound era um vulcão. Nesta entrevista, José Lino fala de Pound, dos Cantos e de tradução. José Lino foi redator do Correio da Manhã, um dos divulgadores da obra de Godard no Brasil, publicou poemas concretos na revista Noigrandes, traduziu Lorca, William Carlos Williams e Mallarmé, entre outras invenções.

Como situa Os Cantos na poesia do Ocidente?
Os Cantos é uma obra extremamente ampla e aberta. Mexe com tudo. É um poema-mobile. Corta de um canto lírico para um canto de homenagem a um revolucionário italiano, Malatesta. Os Cantos tem uma parte poética e outra prosaica. Basicamente, está dividido em três momentos: começa com a Odisséia, passa para a história americana e, finalmente, para Confúcio e as Metamorfoses, de Ovídio. Pound produziu violentos poemas anticapitalistas. Ele era ferozmente contra toda forma de usura.


Como você vê a questão da acusação de fascismo a Pound e a relação com a sua obra?
- Eu repito o que disse em outra entrevista. Se Dom Helder Câmara, se Alceu Amoroso Lima foram fascistas e são tão aclamados por que Pound não poderia ser fascista? Sim, porque eles foram integralistas e o integralismo era fascista. Na Itália Pound encontrou descanso para trabalhar. E ele acreditou que Mussolini poderia representar uma saída. Mas de maneira nenhuma pode ser acusado de fascista. O Cantos 14 e 15 arrasam com toda a sociedade capitalista. Pound reduziu um terço o poema Homens Ocos, de Eliot. Pound projetou Ulysses, de J. Joyce. El termina os cantos dizendo que morreu com dúvidas. Outro dia, um escritor que não sabe escrever (referencia a um artigo de Flávio Kothe publicado recentemente no JB) acusou de fascista a Pound e a todo pessoal do Concretismo. Trabalhei no Correio da Manhã fazendo editoriais embaixo do Ato Institucional nº5. Isto o Oliveira Bastos, que esta morando em Brasília, conhece muito bem. A Secretaria de Segurança era bem em frente ao jornal. O Nelson Rodrigues, que era meu amigo, dizia que Augusto de Campos e Haroldo eram dois monges beneditinos. Isso deve ser coisa plantada pelo partido comunista.

Você definiria Os Cantos como uma tentativa de realizar uma síntese da Odisséia, de Homero, a Divina Comédia, de Dante, com uma sensibilidade contemporânea?
- É uma mistura da Odisséia, da Divina Comédia, das Metamorfoses de Ovídio e Confúcio. Esta é a base. A partir daí ele passou para os cantos prosaicos e poéticos. Os cantos prosaicos são mais difíceis do que os poéticos, porque às vezes ele registra simples bate-papos. Pound faz em lírica o que a Nouvelle-Vague fez no cinema: mixagem de documentário e lírica ou documentário e ficção. Os filmes de Godard também misturam entrevistas em ficção. Era uma linguagem analógica e cinematográfica pelo princípio da montagem.

Talvez o princípio de montagem tenha funcionado tão bem porque Os Cantos são um poema longo, não é?
- Os Cantos tem 5 mil versos. É um imenso painel sobre toda a esfera da humanidade. A idéia era que acabasse no Paraíso.

Existe alguma possibilidade de paraíso no mundo contemporâneo? Não é um mundo essencialmente infernal?
- Nos últimos cantos Pound ensaiou o Paraíso influenciado pelos chineses, projetando uma visão de sabedoria.

A inexistência de um glossário não dificulta ao leitor penetrar no universo dos Cantos? Por que isto não foi feito?
- Sem dúvida é uma dificuldade. Mas o negócio é você ler poeticamente e cinematograficamente. Pula e vai em frente. A Universidade de Berkeley publicou dois volumes de verbetes sobre os Cantos de Pound. Se a gente publicasse um glossário a Nova Fronteira ia falir. Mas isto não impede de maneira alguma a leitura de Cantos. Eu aprendi demais sobre a História Americana lendo Pound.

O que é preciso para traduzir Os Cantos?
- Não basta apenas ser um poetastro. É preciso ter vivido muito. Não pode ser uma tradução de shoolar. Eu jogo pôquer, pago contas no bar. Demorei um ano e sete meses para traduzir Os Cantos. Leio Pound desde 1953. Traduzi diante de todos os problemas cotidianos de família. Pound é um mundo.

Correio Braziliense
16/02/1987

 
Poesia
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